JAY SRI KRISHNA
sábado, 2 de fevereiro de 2013
domingo, 28 de agosto de 2011
A PSICOGRAFIA E A PROVA JUDICIAL
Encontrei um texto muito interessante sobre a psicografia utilizada como prova judicial e por isso estou postando o mesmo integralmente a seguir.
O autor do artigo é Fernando Rubin, Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor UNIRITTER e CETRA/RS. Advogado.
"Não sendo desconsideradas as vozes contra esse atípico meio de prova, defende-se a adequada e ponderada valoração da psicografia, juntamente com os demais meios lícitos de prova.
SUMÁRIO: I. Introdução – II. A carta psicografada e o espiritismo – III. A admissibilidade da psicografia no processo – trata-se de prova lícita? – IV. A valoração da carta psicografada articuladamente com os demais meios de prova – qual o peso probatório que deve possuir? V. Breve análise de casos judiciais paradigmáticos – VI. Conclusão – VII. Referências.
RESUMO: O presente trabalho objetiva lançar bases mais sólidas, teóricas e científicas, a respeito da possibilidade de utilização da carta psicografada como meio de prova em processos judiciais. Não sendo desconsideradas as vozes que se colocam contra a utilização desse atípico meio de prova, desenvolver-se-á tese que auxilie na adequada e ponderada valoração da psicografia, juntamente com os demais meios lícitos de prova admitidos no direito processual brasileiro.
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I. Introdução
1.
Estamos presenciando nos últimos anos calorosa discussão a respeito da utilização da prova psicografada no processo brasileiro, existindo projeto de lei que tenta proibir o uso da prova psicografada (como o de n° 1.705/2007), sendo, a respeito, ouvidos inúmeros juristas que se posicionaram de maneira antagônica com relação à possibilidade de utilização de uma carta escrita do além-túmulo em processos judiciais, de natureza penal ou mesmo cível [01].
Busquemos, pois, sintetizar os argumentos que vem sendo desenvolvidos, por ambas as correntes, a fim de apresentarmos um esboço contemporâneo sobre a possibilidade de utilização da psicografia e, principalmente, sobre o peso que tal prova não tipificada em lei pode atingir para auxiliar a decidir um processo judicial.
Para tanto, faz-se necessário investigar a origem e o desenvolvimento científico do espiritismo, trazer à baila alguns intelectuais importantes, do Brasil e alhures, que estudaram o fenômeno (como Monteiro Lobato e Cesare Lombroso), para que possamos com maior convicção defender a utilização deste meio lícito de prova.
Analisaremos, ademais, alguns casos judiciais, já solvidos, em que se fez uso racional da prova psicografada, a fim de confirmarmos a tese de sua admissão e do modo como escorreitamente deve ser valorado no cenário processual.
Frise-se, por oportuno, que o ensaio é fruto de uma maior reflexão do tema junto a grupo de estudo formado na Associação Jurídica Espírita do Rio Grande do Sul (AJE/RS) [02], a partir de esboço já publicado pelo autor a respeito das "provas atípicas" [03].
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II. A carta psicografada e o espiritismo
2.
A Psicografia é uma manifestação de prova espírita que representa o ato de escrever exercido por uma pessoa dotada de certa capacidade espiritual (médium) em face de influência direta recebida de um espírito que dita a mensagem [04], ou em palavras mais singelas, "é a escrita de um espírito realizada através do médium" [05].
A carta psicografada é um dos mecanismos, segundo o espiritismo kardecista, que comprova a comunicação dos vivos com os mortos. Por certo, não é a única, mas uma das mais convincentes na demonstração de que existe vida após a morte e de que os espíritos, em geral, possuem suficiente noção da sua situação no plano espiritual, a ponto de trazer relatos da sua atual moradia espiritual e, principalmente, recordações de sua passagem pela Terra como também das relações pessoais travadas no nosso planeta.
Em interessante obra de Sonia Rinaldi, de repercussão internacional, concluiu-se pela existência dos espíritos por meio de pesquisas avançadas em Transcomunicação Instrumental, ou seja, pelas gravações de sons demonstrou-se a sobrevivência da alma [06]. Já foram também constatados e estudados com profundidade os fenômenos de materialização e incorporação, além da tiptologia - primeira, e mais rudimentar, das provas de comunicação "dos mortos com os vivos", por meio de barulhos emitidos em objetos ou movimentação destes em respostas a determinadas indagações dos encarnados (v.g. mesas giratórias) [07].
Mais afeito ao nosso tema, estudo bastante importante foi realizado pelo experiente expert grafotécnico Carlos Augusto Parandréa (perito judiciário em Documentoscopia desde 1965 no Paraná), que em meticulosa análise de uma carta psicografada em 22/07/1978 por Chico Xavier, na língua italiana (desconhecida do médium), atribuída e assinada por Ilda Mascarro Saullo (falecida em Roma, no dia 20/12/1977), revela que "a mensagem contém em 'número' e em 'qualidade' consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica [08] suficientes para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionável" conferindo ainda maior credibilidade as suas conclusões ao dispor, o autor, que "na prática, em mais de 25 anos de perícias, centenas de resultados positivos foram alcançados em menor quantidade de material do que o coletado para esta pesquisa" [09].
Recentemente, merece registro a obra do jornalista Marcel Souto Maior, também comprovando a existência de efetivas comunicações entre vivos e mortos, sendo um dos casos mais emblemáticos narrados no livro a psicografia do médium Waldo Vieira de um romance com 322 páginas, assinado por Honoré de Balzac. Tal romance foi levado à análise rigorosa do mais importante estudioso da obra de Balzac no Brasil, o professor Osmar Ramos Filho, que após sete anos de pesquisa, encontrou cerca de duas mil semelhanças da obra psicografada com as obras em vida do mestre, o que o fez concluir, sem hesitação, ser um autêntico romance de Balzac [10].
3. Realmente, muitos foram os cientistas e mesmo ilustres intelectuais que pesquisaram a fundo, de maneira séria, o espiritismo e acabaram se convencendo da possibilidade de relação dos vivos com os mortos– sendo relevante exemplificarmos a questão com mais elementos. Em interessante artigo, para o jornal Estado de São Paulo, Miguel Reale Jr[11]. destaca a trajetória de Cesare Lombroso, famoso criminalista italiano, que após muito estudo (e resistência na aceitação do fenômeno espiritual), escreveu, em 1909, o livro Hipnotismo e Mediunidade em que faz uma consistente síntese das experiências mediúnicas, mostrando a analogia entre o que sucedeu com os povos antigos, com os povos indígenas, com os fenômenos ocorridos na Idade Média ou no Renascimento e com o que sucedeu naqueles dias vividos por ele na presença de outros renomados cientistas.
Em terras brasileiras também interessante os relatos de experiências mediúnicas desenvolvidas pelo escritor Monteiro Lobato, entre 1943 e 1947. Embora as mensagens obtidas não estivessem vinculadas aos procedimentos normais e regulares da psicografia, como adverte Vladimir Polízio[12], nem por isso deixam de ter importância e merecer o valor que lhes são conferidos. O material todo, referente ao período de pesquisas, compõe a obra Monteiro Lobato e o Espiritismo efoi coletado por Maria José Sette Ribas – que recebia a cada reunião relatório do que ali se passava.
São, de fato, inúmeros os relatos, no Brasil e alhures, de situações similares, de pesquisa e comprovação da atividade mediúnica, de comunicação bem sucedida com o plano espiritual, e, consequentemente, de reformulações daqueles que anteriormente levantavam dúvidas sobre o fenômeno espiritual, e especificamente psicográfico, e que passaram a reconhecer como possível, verdadeiros e espontâneos tais atos.
O jurista Miguel Timponi (que viria a ser depois um dos fundadores da Ordem dos Advogados do Brasil e seu primeiro presidente), para citarmos um derradeiro exemplo vigoroso, relata vários desses casos na obra A psicografia ante os Tribunais, destacando estudos psíquicos robustos realizados principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, na Itália, na Alemanha e na França [13] - não deixando dúvidas a respeito de temas instigantes como a imortalidade da alma, o fenômeno reencarnascionista e a plena capacidade da entidade espiritual reproduzir, com nitidez, os acontecimentos que presenciou ao longo da sua passagem terrena.
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III . A admissibilidade da psicografia no processo –trata-se de prova lícita?
4.
Entendemos que a admissibilidade da prova psicografada se baseia, antes de qualquer outro elemento, na cientificidade que envolve o fenômeno espírita [14]. Daí a necessidade dos esclarecimentos deduzidos no ponto anterior, relacionados à fidedignidade de informações dando conta da comunicação dos entes encarnados com os entes desencarnados –seja por meio da carta psicografada sem por meio de outros elementos (como gravação sonora, v.g.).
Apesar da incredulidade de muitos [15], pode-se, portanto, afirmar que o Espiritismo é uma ciência, a qual tem por objeto a existência de vida após a morte e a, consequentemente relacionada, imortalidade da alma, em busca de constante evolução espiritual a ser adquirida ao longo das sucessivas reencarnações que se procedem [16].
Relevante ser registrado que, como afirma Nemer da Silva Ahmad, nenhuma das correntes dos opositores ao uso da prova psicografada logrou analisá-la à luz da ciência; geralmente a repelem ao argumento de ser produto exclusivo da fé, o que se demonstrou ser inexato [17]. São, como procuramos exemplificar, já inúmeras as obras e experiências, iniciadas no século XVII, que tratam das relações estabelecidas entre encarnados e entidades espirituais a estabelecer dados concretos no sentido da correção das bases científicas nas quais se funda a doutrina espírita – devidamente explicitada por Allan Kardec [18].
5. Também se deve admitir a prova psicografada no processo porque se se pode criticar a utilização desta prova espírita em razão de fraudes ou erros na captação da mensagem, não é menos acertado se reconhecer que há possibilidade de fraudes e incorreções em qualquer outro meio de prova, atípico ou típico.
Em outros termos, a falibilidade das provas, em razão da imperfeição humana, é fenômeno que obviamente não se circunscreve exclusivamente à psicografia. Com efeito, documentos falsos ou imprecisos não são raros nos processos judiciais; como também presenciamos, em algumas oportunidades, imprestáveis laudos periciais, confeccionados sem muitos dados técnicos e/ou em tempo diminuto não suficiente para abordagem de todas as nuances envolvidas em um complexo caso concreto. Por outro lado, não se pode olvidar a presença de testemunhas que faltam com a verdade em seus depoimentos ou afirmam, com convicção, terem presenciado determinada cena que, na verdade, não ocorreu exatamente na forma narrada.
Por isso, partindo-se desse argumento comparativo, não compactuamos com opiniões de juristas contrários à tese aqui formatada, ao denominarem genericamente a carta psicografada de "prova imprestável", em face da sua suposta falta de confiabilidade [19].
6. Da mesma forma, defende-se a utilização da psicografia porque em nada contraria o dispositivo de regência das fontes de prova do nosso Código Processual. Considerando o teor do art. 332 do CPC não há como contrariar, prima facie, a psicografia como meio de prova, uma vez que é hábil, moralmente legítima e não é ilícita [20].
Os modernos sistemas probatórios, no Brasil e alhures, em geral dispõem que outros meios de provas além daqueles tipificados (catalogados) são passíveis de utilização no processo, tendo em vista a necessidade de uma aproximação mais efetiva da verdade material e, por conseguinte, ao justo no caso concreto. O fundamento central para tanto encontrar-se-ia no direito constitucional à prova [21], que não admitiria a formatação de normas que impusessem limitações rígidas e formais para a parte convencer o julgador das suas versões dadas aos fatos, apresentando-se inviável a taxatividade dos meios de prova - ainda mais quando consagrado pelo sistema processual o princípio do livre convencimento do juiz[22]. Assim, correto Eduardo Cambi quando destaca que embora o direito à prova não seja absoluto (como nenhum direito pode desta forma ser concebido), "deve ser reconhecido como prioritário para o sistema processual, não podendo ser indevidamente limitado, a ponto de seu exercício ser meramente residual" [23].
Daí advém o conceito de prova atípica (ou inominada)[24], na qual se insere a psicografia, como toda fonte de prova que não está prevista no ordenamento, mas pode ser admitida como meio probante a servir de elemento/motivo para a formação da convicção do juiz [25]. Aliás, com propriedade Ada Pellegrini Grinover destaca que nas atividades processuais concernentes à prova pode-se visualizar quatro fases/momentos subsequentes: (a) propositura (primeiro momento quando a prova é indicada ou requerida), (b) admissão (juízo de admissibilidade, permitindo o ingresso nos autos das provas lícitas bem como as adequadas e pertinentes [26]), (c) produção (momento em que as provas são introduzidas no processo –"prova casual", a não ser quando sejam "provas pré-constituídas" [27]) e (d) apreciação (juízo de valoração pelo juiz).
Do quadro supra se infere agora, com maior precisão, que a psicografia, como qualquer outra espécie de prova atípica, é "fonte de prova", e quando admitida no processo, é tida como "meio de prova" capaz de convencer o julgador da pertinência das alegações da parte que a produziu, oportunizando que o julgador o tenha como "elemento de prova" a constar na motivação da decisão final, em derradeiro juízo de valoração a ser desenvolvido [28].
Ainda nesse contexto, convêm registrar que, com base no já informado direito constitucional à prova, eventual restrição à admissibilidade, pelo julgador, de prova atípica, requerida ou apresentada, deve ser encarada como medida excepcional [29], que quando tomada deve vir acompanhada de devida fundamentação - já que a exclusão prévia desse meio probatório limitaria as oportunidades das partes demonstrarem os fatos que dão fundamento as suas respectivas pretensões e exceções [30].
Nesse diapasão, já tivemos a oportunidade de, em trabalho de maior fôlego, defender uma interpretação do direito processual, à luz da carta constitucional, de maneira tal que sejam racionalmente preservados os meios lícitos de prova (a integrarem o caderno probatório), a fim de permitir ao julgador maiores condições de atingir a verdade material e trazer, consequentemente, segurança jurídica aos litigantes – a partir de uma decisão judicial bem fundamentada que contemple e avalie todas as provas requeridas e produzidas no processo [31].
7. Portanto, diante desse macro contexto de processo constitucional não há dúvidas de que a psicografia possa ser admitida como meio de prova lícita pelo julgador, tanto em processo penal como em processo cível. Já quanto à valoração (ao peso) a ser dada(o) pelo magistrado a tal meio probante, é temática para o próximo ponto.
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IV. A valoração da carta psicografada articuladamente com os demais meios de prova – qual o peso probatório que deve possuir?
8.
Superados os argumentos das vozes que refutam a possibilidade da prova psicografada ser sequer apreciada em um processo judicial (juízo de admissibilidade da prova), confirma-se que a carta psicografada, no nosso sentir, é meio lícito e que deve ser apreciada articuladamente com os demais elementos de prova tipificados.
Agora o fato de ser aceita a psicografia como prova não significa dizer que devamos concluir que ela seja o meio de prova fundamental para o julgamento de causa judicializada ou mesmo fazer dela prova absoluta, não relativizável pelos demais meios probantes constantes no processo.
Ocorre que, como os demais meios de prova, a psicografia pode sim estar sujeita a eventuais fraudes ou imprecisões, sendo também relevante salientar que nem sempre o exame técnico da carta (perícia grafodocumentoscópica) pode apontar a identidade da letra e assinatura do ente desencarnado com a letra e assinatura do seu período em vida – isto porque o médium pode interferir no processo de comunicação, distorcendo, mesmo que minimamente, a letra e assinatura que constarão na carta psicografada [32].
Firmando então nítida a possibilidade de admissão aos autos da carta psicografada, temos, por outro lado, para analisar a sua valoração no contexto probatório, que levar em consideração a (a) eventual possibilidade de fraude, ou, menos raro, da falibilidade intrínseca ao fenômeno de captação da mensagem (falhas ou auto-sugestão) [33], a (b) impossibilidade de em todos os casos ser feito estudo técnico positivo (rectius: análise grafotécnica positiva) para identificar a letra da carta psicografada com a letra do ente desencarnado quando em vida, e inclusive, podemos ainda acrescentar, que se deve levar em consideração o (c) estágio ainda incipiente do estudo da relação entre o Espiritismo e o Direito, bem como as vozes que negam qualquer cientificidade ao espiritismo kardecista – tratando-o como mera crença, produto da fé, religião em sentido estrito.
Eis as razões pelas quais entendemos, cientes do contexto atual em que a polêmica aflora, que o julgador ao admitir a prova psicografada, não deve considerá-la como prova central, fundamental para julgamento da causa; deverá utilizar-se da prova psicografada como meio de prova subsidiário, "argumento de prova", a dar respaldo às conclusões obtidas através dos demais meios de prova carreados aos autos. Em termos mais técnicos, à luz do conceito de "argumento de prova" destacado por Michele Taruffo e Luigi Montesano [34], entendemos que a psicografia deve ser considerada como uma prova atípica que serviria de instrumento lógico-crítico a auxiliar na valoração das provas típicas componentes da instrução do processo – adquirindo a psicografia, nesta perspectiva, função acessória e integrativa do teor das provas típicas.
Além dessa (cautelosa) posição hierárquica estabelecida, deduz-se que só poderão ser utilizadas, no processo, no nosso entendimento, as psicografias que contenham informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos acontecimentos a serem provados (indícios de fidedignidade), o que reforçaria a convicção do julgador a respeito da sua autenticidade.
A partir dessas premissas, compactuamos com o entendimento de Marcos Vinícius Severo da Silva (Presidente da Associação Jurídica Espírita do Rio Grande do Sul) quando explica que "há necessidade de critério, prudência e cautela na aferição do valor probante da carta psicografada, assim como das demais provas existentes nos autos" [35]. No mesmo diapasão, sensatas as palavras de Eduardo Valério (membro da Associação Jurídica Espírita de São Paulo) ao falar em "presença de equilíbrio racional", vendo "a utilização da psicografia nos tribunais com enorme cautela", concluindo que "as cartas psicografadas devam ser aceitas como mais um elemento de prova, a serem sopesadas pelo juiz (ou jurados, se no tribunal do júri), à luz do princípio da livre convicção; jamais como elemento absoluto e inquestionável que possa levar, por si só, a uma condenação ou a uma absolvição" [36].
V. Breve análise de casos judiciais paradigmáticos
9.
Conforme pesquisa dos principais julgados pátrios, em que admitida a prova psicografada, a mesma foi examinada dentro de um contexto probatório, sendo utilizada como elemento de confirmação das provas típicas produzidas no processo.
De acordo, em "leading case" recorrentemente lembrado, o Juiz Orimar de Bastos, da 6ª Vara Criminal de Goiás, em 1979, inocentou o réu, amigo íntimo da vítima, da acusação de homicídio (concluindo ter se tratado de mero acidente com arma de fogo), valendo-se, como prova acessória, de mensagem da vítima, psicografada por Chico Xavier[37] - in casu, a mensagem psicográfica recriou com propriedade o momento do crime, corroborando com as informações prestadas pela perícia, fazendo alusões a referências muito pouco conhecidas inclusive pela família, e ainda contendo a assinatura no final da mensagem, idêntica a da identidade da vítima.
10. Para o mesmo caminho apontam vários outros casos judiciais analisados pela doutrina especializada [38]. Um em especial destacamos na parte final deste ensaio: trata-se de outro caso de reconhecimento de inocência de réu (acusado de supostamente premeditar a morte de vítima em Viamão/RS), em razão da insuficiência de provas materiais do delito combinada com o teor de duas cartas psicografas pela vítima, as quais, com bons indícios de fidedignidade, inocentavam o réu de qualquer culpa em relação ao infeliz evento que determinou o seu óbito – no caso, houve recurso (Apelação Crime) ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido confirmada, em 11/11/2009, a possibilidade de utilização (criteriosa) da prova psicografada no processo, sendo mantida a decisão que inocentava o réu (relatoria do acórdão da lavra do Desembargador José Martinez Lucas) [39].
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VI. Conclusão
Buscaremos, encerrando o presente ensaio, recapitularmos as principais ideias trazidas à reflexão e ao debate.
Iniciamos retomando que, de acordo com a melhor interpretação da Constituição, o direito de provar deve ser reconhecido como prioritário, sendo impedido de aporte ao processo tão somente das provas flagrantemente ilícitas. Não é o caso da prova psicografada, baseada em vasta demonstração da cientificidade do fenômeno mediúnico.
Assim sendo, a psicografia pode ser identificada como prova atípica, a partir do que dispõe o ano 332 do CPC, já que é fonte de prova que não está prevista no ordenamento, mas que pode sim ser racionalmente admitida, no processo criminal ou cível; não obstante, por cautela necessária, dever ser valorada como meio probante acessório ("argumento de prova") a servir de elemento/motivo para a formação da convicção do juiz.
Pelo exposto no corpo do ensaio, acrescenta-se que só devem ser utilizadas as psicografias que contenham informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos acontecimentos a serem provados (indícios de fidedignidade), o que reforçaria a convicção do julgador a respeito da sua autenticidade – ainda cabendo a utilização da grafoscopia, nos casos em que se poderia sustentar que a letra da carta psicografada é muito próxima da do ente desencarnado quando em vida terrena (situação que é menos comum de acontecer, como reconhecido pela doutrina espírita especializada).
De qualquer forma, refutam-se os principais argumentos daqueles que pregam a não admissibilidade da prova psicografada (em torno do elemento religioso do documento e da falibilidade da mensagem escrita), ao passo que demonstrada não só a cientificidade do fenômeno que envolve a psicografia, mas também a possibilidade de fraudes e incorreções virem efetivamente a ocorrer em qualquer meio de prova, atípico ou típico (documental, pericial e principalmente testemunhal).
Por todos esses elementos temos como precipitada, retrógrada e mesmo equivocada do ponto de vista científico, cultural e moral, a tentativa, levada ao Congresso Nacional, via Projeto de Lei (n° 1.705/2007), de alterar o texto da lei processual para expressamente ser proibido o documento psicografado no processo brasileiro.
Temos, a bem da verdade (de acordo com a demonstração suficiente que procuramos expor neste ensaio), a convicção do avanço científico, cultural e moral que representa o debate e principalmente a utilização (criteriosa) da carta psicografada pelos tribunais – sendo útil lembrarmos, nesse tempo de reflexão a respeito de tema tão denso e delicado, uma formidável máxima filosófica, assim exposta: "pode-se admitir a dúvida, antes de estudar; a negativa, depois de se estudar; mas a negativa simples, sem estudos e provas, é vazia de senso e de responsabilidade"[40].
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VII. Referências
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Notas
1. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 154/161.
2. Grupo de estudos de Direito e Espiritismo, que vem se difundindo em vários estados brasileiros – sendo que em São Paulo os estudos do grupo paulista deu origem à obra de mesmo nome, no ano de 2010, com coordenação de Tiago Cintra Essado e prefácio de Miguel Reale Jr. (Editora AJE/SP).
3. RUBIN, Fernando. "Provas atípicas" in Revista Lex de Direito Brasileiro n° 48 (2010). P. 44 e ss.
4. Com 25 anos de idade, o maior espírita kardecista brasileiro, Chico Xavier, revelou os seguintes detalhes das suas psicografias: "quando grafo as mensagens nas sessões, eu só faço-o mecanicamente. Um torpor pesado prolongado me invade. Serão realmente dos nomes que as assinam as páginas então produzidas? Eu não poderia responder precisamente, porque, então, a minha consciência como que dorme. De uma coisa, porém julgo estar certo: não posso considerar minhas essas páginas porque não despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-las no papel" (MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 60).
5. MOURA. Kátia de Souza. "A psicografia como meio de prova" in Jus Navegandi, Teresina, ano 10, nº 1173, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8941. Acesso em 21/10/2010.
6. RINALDI, Sônia. "Espírito - o desafio da comprovação". SP: Elevação Editora, 2000.
7. "Médiuns escreventes são os que transmitem pela escrita os pensamentos dos invisíveis; sem dúvida, são os mais úteis instrumentos de comunicação com os Espiritos". Mas deixa claro o autor que: "(..) estabelecida a comunicação, o espírito pode agir sobre o médium, produzindo efeitos diversos, que se traduzem pela visão, audição, escrita, tiptologia, etc." (DELANNE, Gabriel. "O espiritismo perante à ciência". RJ: Federação espírita brasileira, 1993, 2ª ed. p. 328/330).
8. A grafoscopia pode ser definida como um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação de autenticidade gráfica e da autoria gráfica (PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 23).
9. PERANDRÉA. Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 56/58.
10. MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 218/221.
11. REALE JR., Miguel. "Razão e religião" in O Estado de São Paulo, São Paulo, 3/01/2009, p. 2.
12. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 131/136.
13. TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 115/213.
14. Allan Kardec estabeleceu o aspecto tríplice da doutrina espírita: (i) ciência, (ii) filosofia e (iii) religião. Há duas fases distintas na história do Espiritismo, que é útil assinalar: a primeira compreende o período que vai de 1846, data aproximada de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da morte de Allan Kardec; o segundo período, que se estende de 1869 até nossos dias, é caracterizado pelo movimento científico, que se voltou para as manifestações dos espíritos (KARDEC, Allan. "O livro dos espíritos". RJ: Federação espírita brasileira, 1985, 62ª ed. p. 13/47).
15. "Apesar de todos os sistemas observacionais e técnicos aos quais nos referimos, capazes de produzir uma evidência praticamente irrecusável da sobrevivência (do Espírito), ainda persistem extensas áreas de resistência a sua aceitação pelo oficialismo científico. Os refutadores, de um modo geral, lançam mão de 'explicações paralelas', mediante as quais tentam invalidar a tese espiritualista, reduzindo as causas de tais fenômenos a meras funções paranormais do ser humano vivente" (ANDRADE. Hernani Guimarães in Prefácio da obra de PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editor, jornalística fé. 1991. p. 03).
16. Partindo dessas premissas e estudando grandes questões polêmicas do direito sob olhar do Espiritismo Kardecista, consultar – MOREIRA, Milton Medran. "Direito e justiça, um olhar espírita". Porto Alegre: Imprensa livre, 2004.
17. AHMAD, Nemer da Silva. "Psicografia: o novo olhar da justiça". São Paulo: Aliança, 2008. p. 97.
18. KARDEC, Allan. "O céu e o inferno". Tradução de Salvador Gentile. São Paulo: Boa Nova, 2006. Especialmente p. 70/82.
19. PAIVA, Ana. "Juristas rejeitam provas espíritas" in http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/11 /294743.shtml. Acesso em 21/10/2010.
20. "Se, em direito, abre-se a possibilidade excepcional de considerar a prova ilícita, baseando-se no princípio da proporcionalidade, sopesando os interesses e os direitos em jogo, qual a razão de não se considerar a psicografia, que nada de ilícita tem como meio de prova? Nenhuma. Fredie Didier explica que há vários critérios para não se admitir determinado meio de prova; como limitações cita razões extraprocessuais, a exemplo de questões política, moral, ética e religiosa. Não é o que se aplica à psicografia. Embora seja um procedimento verificado na doutrina espírita, aqui se aborda exclusivamente o seu aspecto científico" (MOURA. Kátia de Souza. "A psicografia como meio de prova" in Jus Navegandi, Teresina, ano 10, nº 1173, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8941. Acesso em 21/10/2010).
21. No Brasil, o direito fundamental de provar, poderia ser plenamente deduzido do princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5°, XXXV CF/88), articulado com os corolários do devido processo legal - notadamente contraditório e ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes (art. 5°, LIV e LV da CF/88) (GRlNOVER, Ada Pellegrini. "Prova emprestada" in Revista Brasileira de Ciências Criminais n° 4,1993: 60/69; KNIJNlK, Danilo. "A prova nos juízos cível, penal e tributário". RJ: Forense, 2007. p. 07).
22. Com efeito, Mauro Cappelletti já registrava que o grau de aceitação pelo ordenamento dos meios de prova expressamente não catalogados serve de critério para se aferir o grau de consagração do princípio do livre convencimento do juiz em um determinado sistema processual (CAPPELLETTI, Mauro. "La testemonianza della palte nel sistema dell'oralità". Milão: Giuffre, Primeira Parte, 1962, p.270).
23. "O reconhecimento da existência de um direito constitucional à prova implica a adoção do critério da máxima virtualidade e eficácia, o qual procura admitir todas as provas que sejam hipoteticamente idôneas a trazer elementos cognitivos a respeito dos fatos da causa, independente de prova, procurando excluir as regras jurídicas que tornam impossível ou excessivamente difícil a utilização dos meios probatórios" (CAMBI, Eduardo. "A prova civil: admissibilidade e relevância". SP: RT, 2006. p. 35).
24. A respeito do tema "provas atípicas", consultar: BARBOSA MOREIRA, J.C. "Provas atípicas" in Revista de Processo n° 76, 1994: 114/126; RIBEIRO, Darci Guimarães. "Provas atípicas". Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998.
25. Darci Guimarães Ribeiro, ao desenvolver um critério objetivo integrante do conceito de prova, traz interessantes dados que se coadunam com o exposto ao referir que "por critérios objetivos deve-se entender os meios utilizados pelas partes ou impostos pela lei para convencer o juiz do seu direito, são os mecanismos, os instrumentos transportadores da certeza necessária para a formação da convicção no espírito do julgador, e, via de regra, pois salvo as provas atípicas, estão presentes na lei, porém não se esgotando nela" (RIBEIRO, Darci Guimarães. "Tendências modernas de prova" in AJURIS, n° 65, 1995: 324/349).
26. Especificamente sobre as duas primeiras fases, Walter Camejo Filho registra que "o procedimento probatório desenvolve-se em diversas etapas. Na primeira, a postulatória, as partes pedem a produção de determinadas provas. O juiz nesse momento exerce verdadeiro juízo de admissibilidade em ralação às mesmas, determinando aquelas que considerar relevantes (. . .) A dimensão mais ampla desta filtragem inicial é aquela que investiga as provas sob a ótica da licitude (...); superada esta primeira fase, o juiz irá investigar se a prova preenche o requisito da adequação - em outras palavras, se a prova é adequada para evidenciar o fato alegado pela parte; por fim, ultrapassados os planos da licitude e da adequação, a prova ainda vai ser submetida ao crivo da pertinência - entendida esta como o necessário liame entre a prova e o objeto do litígio propriamente dito" (CAMEJO FILHO, Walter. "Juízo de admissibilidade e juízo de valoração das provas" in Prova Cível, organizador Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. RJ: Forense, 1999. p. 01/21).
27. Umas das importantes classificações de prova é aquela que estabelece a diferenciação entre prova pré-constituída e prova casual: a primeira seria formada fora do processo que pode eventualmente ser empregada nele; a segunda seria formada incidentalmente ao feito, seguindo certas formas legais, a fim de ser considerada prova judiciária. Sobre todas as classificações, ver SANTOS, Moacyr Amaral. "Prova judiciária no Cível e comercial". SP: Max Limonad, 1970, Vol. 1,4ª ed. p. 53/71.
28. Sobre a diferenciação básica entre fonte de prova e meio de prova, ver MELENDO, Sentís. "Natureza de la prueba" - La prueba es libertad" in RT n° 462,1974,11/21; e CARNELUTTI, Francesco. "La prueba civil". Trad. Niceto Alcalá-Zamora Y Castillo. Buenos Aires: Depalma, 1982, 2ª ed. p. 67/77 e 239.
29. CAMBI, Eduardo. "A prova civil: admissibilidade e relevância". SP: RT, 2006. p. 37.
30. Interessante, a respeito, passagem de Barbosa Moreira em que o notável jurista acentua que "a precipitação cerceia de modo intolerável o exercício do direito de ação ou de defesa" (BARBOSA MOREIRA, J. C. "Efetividade do processo e técnica processual" in AJURIS n° 64:149/161).
31. RUBIN, Fernando. "A preclusão na dinâmica do processo civil". Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Especialmente p. 227/237.
32. Conforme descreve o jurista Miguel Timponi "nem sempre é possível obter-se uma grafia igual ou semelhante. Esses casos são raríssimos e excepcionais. Na escrita direta, em que o comunicante não faz uso do aparelho neuromuscular do médium (não é o caso de Francisco Cândido Xavier), a grafia e a assinatura podem resultar perfeitas e exatas. Tratando-se, porém, de escrita mecânica, só excepcionalmente seria possível a verificação de semelhança, porque já aí a comunicação se faz por intermédio de um corpo somático, que nem sempre se afina com o comunicante, e que sofre a influência do psiquismo do médium e de outros fatores" (TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 211/212).
33. "Qualquer que seja o modo de comunicação, a prática do Espiritismo, do ponto de vista experimental, apresenta numerosas dificuldades, e não está isenta de inconvenientes para qualquer um a quem falta a experiência necessária. Que se experimente por si mesmo, ou que seja simples observador, é essencial saber distinguir as diferentes naturezas de Espíritos que podem se manifestar, de conhecer as causas de todos os fenômenos, as condições nas quais eles podem se produzir, os obstáculos que podem a eles de opor (...)" "(...) Agora, do fato de se poder imitar uma coisa, não se segue que ela não existe" (KARDEC, Allan. "O que é o espiritismo". SP: Instituto de difusão espírita, 34ª ed., 1995. p. 132/133 e 31/33). No mesmo sentido, na obra de Marcel Soto Maior, em inúmeras oportunidades são ressaltadas as complexidades do fenômeno psicográfico, destacando-se a seguinte passagem: "o fenômeno mediúnico é muito falho; é frágil, mas existe. Este intercâmbio está sempre sujeito a falhas de filtragem" (MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 194).
34. TARUFFO, Michele. "Prove atipiche e convincimento del giudice" in Revista di diritto processuale, parte, 2, vol. 28, 1973: 389/434; MONTESANO, Luigi. "Le prove atipiche nelle presunzioni e negli argomenti del giudice civile". Padova: Cedam, 1982, Vol. 2 Pgs. 999/1015.
35. SEVERO DA SILVA, Marcos Vinicius. "Carta psicografada como prova" in Jornal Zero Hora, edição 16167, dia 26/11/2009.
36. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 147.
37. PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 35.
38. AHMAD, Nemer da Silva. "Psicografia: o novo olhar da justiça". São Paulo: Aliança, 2008. P. 170/186.
39. Íntegra do acórdão referente à Apelação Crime n° 70016184012 pode ser obtida no sítio do TJ/RS (www.tjrs.jus.br).
40. TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 115."
O autor do artigo é Fernando Rubin, Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor UNIRITTER e CETRA/RS. Advogado.
"Não sendo desconsideradas as vozes contra esse atípico meio de prova, defende-se a adequada e ponderada valoração da psicografia, juntamente com os demais meios lícitos de prova.
SUMÁRIO: I. Introdução – II. A carta psicografada e o espiritismo – III. A admissibilidade da psicografia no processo – trata-se de prova lícita? – IV. A valoração da carta psicografada articuladamente com os demais meios de prova – qual o peso probatório que deve possuir? V. Breve análise de casos judiciais paradigmáticos – VI. Conclusão – VII. Referências.
RESUMO: O presente trabalho objetiva lançar bases mais sólidas, teóricas e científicas, a respeito da possibilidade de utilização da carta psicografada como meio de prova em processos judiciais. Não sendo desconsideradas as vozes que se colocam contra a utilização desse atípico meio de prova, desenvolver-se-á tese que auxilie na adequada e ponderada valoração da psicografia, juntamente com os demais meios lícitos de prova admitidos no direito processual brasileiro.
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I. Introdução
1.
Estamos presenciando nos últimos anos calorosa discussão a respeito da utilização da prova psicografada no processo brasileiro, existindo projeto de lei que tenta proibir o uso da prova psicografada (como o de n° 1.705/2007), sendo, a respeito, ouvidos inúmeros juristas que se posicionaram de maneira antagônica com relação à possibilidade de utilização de uma carta escrita do além-túmulo em processos judiciais, de natureza penal ou mesmo cível [01].
Busquemos, pois, sintetizar os argumentos que vem sendo desenvolvidos, por ambas as correntes, a fim de apresentarmos um esboço contemporâneo sobre a possibilidade de utilização da psicografia e, principalmente, sobre o peso que tal prova não tipificada em lei pode atingir para auxiliar a decidir um processo judicial.
Para tanto, faz-se necessário investigar a origem e o desenvolvimento científico do espiritismo, trazer à baila alguns intelectuais importantes, do Brasil e alhures, que estudaram o fenômeno (como Monteiro Lobato e Cesare Lombroso), para que possamos com maior convicção defender a utilização deste meio lícito de prova.
Analisaremos, ademais, alguns casos judiciais, já solvidos, em que se fez uso racional da prova psicografada, a fim de confirmarmos a tese de sua admissão e do modo como escorreitamente deve ser valorado no cenário processual.
Frise-se, por oportuno, que o ensaio é fruto de uma maior reflexão do tema junto a grupo de estudo formado na Associação Jurídica Espírita do Rio Grande do Sul (AJE/RS) [02], a partir de esboço já publicado pelo autor a respeito das "provas atípicas" [03].
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II. A carta psicografada e o espiritismo
2.
A Psicografia é uma manifestação de prova espírita que representa o ato de escrever exercido por uma pessoa dotada de certa capacidade espiritual (médium) em face de influência direta recebida de um espírito que dita a mensagem [04], ou em palavras mais singelas, "é a escrita de um espírito realizada através do médium" [05].
A carta psicografada é um dos mecanismos, segundo o espiritismo kardecista, que comprova a comunicação dos vivos com os mortos. Por certo, não é a única, mas uma das mais convincentes na demonstração de que existe vida após a morte e de que os espíritos, em geral, possuem suficiente noção da sua situação no plano espiritual, a ponto de trazer relatos da sua atual moradia espiritual e, principalmente, recordações de sua passagem pela Terra como também das relações pessoais travadas no nosso planeta.
Em interessante obra de Sonia Rinaldi, de repercussão internacional, concluiu-se pela existência dos espíritos por meio de pesquisas avançadas em Transcomunicação Instrumental, ou seja, pelas gravações de sons demonstrou-se a sobrevivência da alma [06]. Já foram também constatados e estudados com profundidade os fenômenos de materialização e incorporação, além da tiptologia - primeira, e mais rudimentar, das provas de comunicação "dos mortos com os vivos", por meio de barulhos emitidos em objetos ou movimentação destes em respostas a determinadas indagações dos encarnados (v.g. mesas giratórias) [07].
Mais afeito ao nosso tema, estudo bastante importante foi realizado pelo experiente expert grafotécnico Carlos Augusto Parandréa (perito judiciário em Documentoscopia desde 1965 no Paraná), que em meticulosa análise de uma carta psicografada em 22/07/1978 por Chico Xavier, na língua italiana (desconhecida do médium), atribuída e assinada por Ilda Mascarro Saullo (falecida em Roma, no dia 20/12/1977), revela que "a mensagem contém em 'número' e em 'qualidade' consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica [08] suficientes para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionável" conferindo ainda maior credibilidade as suas conclusões ao dispor, o autor, que "na prática, em mais de 25 anos de perícias, centenas de resultados positivos foram alcançados em menor quantidade de material do que o coletado para esta pesquisa" [09].
Recentemente, merece registro a obra do jornalista Marcel Souto Maior, também comprovando a existência de efetivas comunicações entre vivos e mortos, sendo um dos casos mais emblemáticos narrados no livro a psicografia do médium Waldo Vieira de um romance com 322 páginas, assinado por Honoré de Balzac. Tal romance foi levado à análise rigorosa do mais importante estudioso da obra de Balzac no Brasil, o professor Osmar Ramos Filho, que após sete anos de pesquisa, encontrou cerca de duas mil semelhanças da obra psicografada com as obras em vida do mestre, o que o fez concluir, sem hesitação, ser um autêntico romance de Balzac [10].
3. Realmente, muitos foram os cientistas e mesmo ilustres intelectuais que pesquisaram a fundo, de maneira séria, o espiritismo e acabaram se convencendo da possibilidade de relação dos vivos com os mortos– sendo relevante exemplificarmos a questão com mais elementos. Em interessante artigo, para o jornal Estado de São Paulo, Miguel Reale Jr[11]. destaca a trajetória de Cesare Lombroso, famoso criminalista italiano, que após muito estudo (e resistência na aceitação do fenômeno espiritual), escreveu, em 1909, o livro Hipnotismo e Mediunidade em que faz uma consistente síntese das experiências mediúnicas, mostrando a analogia entre o que sucedeu com os povos antigos, com os povos indígenas, com os fenômenos ocorridos na Idade Média ou no Renascimento e com o que sucedeu naqueles dias vividos por ele na presença de outros renomados cientistas.
Em terras brasileiras também interessante os relatos de experiências mediúnicas desenvolvidas pelo escritor Monteiro Lobato, entre 1943 e 1947. Embora as mensagens obtidas não estivessem vinculadas aos procedimentos normais e regulares da psicografia, como adverte Vladimir Polízio[12], nem por isso deixam de ter importância e merecer o valor que lhes são conferidos. O material todo, referente ao período de pesquisas, compõe a obra Monteiro Lobato e o Espiritismo efoi coletado por Maria José Sette Ribas – que recebia a cada reunião relatório do que ali se passava.
São, de fato, inúmeros os relatos, no Brasil e alhures, de situações similares, de pesquisa e comprovação da atividade mediúnica, de comunicação bem sucedida com o plano espiritual, e, consequentemente, de reformulações daqueles que anteriormente levantavam dúvidas sobre o fenômeno espiritual, e especificamente psicográfico, e que passaram a reconhecer como possível, verdadeiros e espontâneos tais atos.
O jurista Miguel Timponi (que viria a ser depois um dos fundadores da Ordem dos Advogados do Brasil e seu primeiro presidente), para citarmos um derradeiro exemplo vigoroso, relata vários desses casos na obra A psicografia ante os Tribunais, destacando estudos psíquicos robustos realizados principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, na Itália, na Alemanha e na França [13] - não deixando dúvidas a respeito de temas instigantes como a imortalidade da alma, o fenômeno reencarnascionista e a plena capacidade da entidade espiritual reproduzir, com nitidez, os acontecimentos que presenciou ao longo da sua passagem terrena.
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III . A admissibilidade da psicografia no processo –trata-se de prova lícita?
4.
Entendemos que a admissibilidade da prova psicografada se baseia, antes de qualquer outro elemento, na cientificidade que envolve o fenômeno espírita [14]. Daí a necessidade dos esclarecimentos deduzidos no ponto anterior, relacionados à fidedignidade de informações dando conta da comunicação dos entes encarnados com os entes desencarnados –seja por meio da carta psicografada sem por meio de outros elementos (como gravação sonora, v.g.).
Apesar da incredulidade de muitos [15], pode-se, portanto, afirmar que o Espiritismo é uma ciência, a qual tem por objeto a existência de vida após a morte e a, consequentemente relacionada, imortalidade da alma, em busca de constante evolução espiritual a ser adquirida ao longo das sucessivas reencarnações que se procedem [16].
Relevante ser registrado que, como afirma Nemer da Silva Ahmad, nenhuma das correntes dos opositores ao uso da prova psicografada logrou analisá-la à luz da ciência; geralmente a repelem ao argumento de ser produto exclusivo da fé, o que se demonstrou ser inexato [17]. São, como procuramos exemplificar, já inúmeras as obras e experiências, iniciadas no século XVII, que tratam das relações estabelecidas entre encarnados e entidades espirituais a estabelecer dados concretos no sentido da correção das bases científicas nas quais se funda a doutrina espírita – devidamente explicitada por Allan Kardec [18].
5. Também se deve admitir a prova psicografada no processo porque se se pode criticar a utilização desta prova espírita em razão de fraudes ou erros na captação da mensagem, não é menos acertado se reconhecer que há possibilidade de fraudes e incorreções em qualquer outro meio de prova, atípico ou típico.
Em outros termos, a falibilidade das provas, em razão da imperfeição humana, é fenômeno que obviamente não se circunscreve exclusivamente à psicografia. Com efeito, documentos falsos ou imprecisos não são raros nos processos judiciais; como também presenciamos, em algumas oportunidades, imprestáveis laudos periciais, confeccionados sem muitos dados técnicos e/ou em tempo diminuto não suficiente para abordagem de todas as nuances envolvidas em um complexo caso concreto. Por outro lado, não se pode olvidar a presença de testemunhas que faltam com a verdade em seus depoimentos ou afirmam, com convicção, terem presenciado determinada cena que, na verdade, não ocorreu exatamente na forma narrada.
Por isso, partindo-se desse argumento comparativo, não compactuamos com opiniões de juristas contrários à tese aqui formatada, ao denominarem genericamente a carta psicografada de "prova imprestável", em face da sua suposta falta de confiabilidade [19].
6. Da mesma forma, defende-se a utilização da psicografia porque em nada contraria o dispositivo de regência das fontes de prova do nosso Código Processual. Considerando o teor do art. 332 do CPC não há como contrariar, prima facie, a psicografia como meio de prova, uma vez que é hábil, moralmente legítima e não é ilícita [20].
Os modernos sistemas probatórios, no Brasil e alhures, em geral dispõem que outros meios de provas além daqueles tipificados (catalogados) são passíveis de utilização no processo, tendo em vista a necessidade de uma aproximação mais efetiva da verdade material e, por conseguinte, ao justo no caso concreto. O fundamento central para tanto encontrar-se-ia no direito constitucional à prova [21], que não admitiria a formatação de normas que impusessem limitações rígidas e formais para a parte convencer o julgador das suas versões dadas aos fatos, apresentando-se inviável a taxatividade dos meios de prova - ainda mais quando consagrado pelo sistema processual o princípio do livre convencimento do juiz[22]. Assim, correto Eduardo Cambi quando destaca que embora o direito à prova não seja absoluto (como nenhum direito pode desta forma ser concebido), "deve ser reconhecido como prioritário para o sistema processual, não podendo ser indevidamente limitado, a ponto de seu exercício ser meramente residual" [23].
Daí advém o conceito de prova atípica (ou inominada)[24], na qual se insere a psicografia, como toda fonte de prova que não está prevista no ordenamento, mas pode ser admitida como meio probante a servir de elemento/motivo para a formação da convicção do juiz [25]. Aliás, com propriedade Ada Pellegrini Grinover destaca que nas atividades processuais concernentes à prova pode-se visualizar quatro fases/momentos subsequentes: (a) propositura (primeiro momento quando a prova é indicada ou requerida), (b) admissão (juízo de admissibilidade, permitindo o ingresso nos autos das provas lícitas bem como as adequadas e pertinentes [26]), (c) produção (momento em que as provas são introduzidas no processo –"prova casual", a não ser quando sejam "provas pré-constituídas" [27]) e (d) apreciação (juízo de valoração pelo juiz).
Do quadro supra se infere agora, com maior precisão, que a psicografia, como qualquer outra espécie de prova atípica, é "fonte de prova", e quando admitida no processo, é tida como "meio de prova" capaz de convencer o julgador da pertinência das alegações da parte que a produziu, oportunizando que o julgador o tenha como "elemento de prova" a constar na motivação da decisão final, em derradeiro juízo de valoração a ser desenvolvido [28].
Ainda nesse contexto, convêm registrar que, com base no já informado direito constitucional à prova, eventual restrição à admissibilidade, pelo julgador, de prova atípica, requerida ou apresentada, deve ser encarada como medida excepcional [29], que quando tomada deve vir acompanhada de devida fundamentação - já que a exclusão prévia desse meio probatório limitaria as oportunidades das partes demonstrarem os fatos que dão fundamento as suas respectivas pretensões e exceções [30].
Nesse diapasão, já tivemos a oportunidade de, em trabalho de maior fôlego, defender uma interpretação do direito processual, à luz da carta constitucional, de maneira tal que sejam racionalmente preservados os meios lícitos de prova (a integrarem o caderno probatório), a fim de permitir ao julgador maiores condições de atingir a verdade material e trazer, consequentemente, segurança jurídica aos litigantes – a partir de uma decisão judicial bem fundamentada que contemple e avalie todas as provas requeridas e produzidas no processo [31].
7. Portanto, diante desse macro contexto de processo constitucional não há dúvidas de que a psicografia possa ser admitida como meio de prova lícita pelo julgador, tanto em processo penal como em processo cível. Já quanto à valoração (ao peso) a ser dada(o) pelo magistrado a tal meio probante, é temática para o próximo ponto.
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IV. A valoração da carta psicografada articuladamente com os demais meios de prova – qual o peso probatório que deve possuir?
8.
Superados os argumentos das vozes que refutam a possibilidade da prova psicografada ser sequer apreciada em um processo judicial (juízo de admissibilidade da prova), confirma-se que a carta psicografada, no nosso sentir, é meio lícito e que deve ser apreciada articuladamente com os demais elementos de prova tipificados.
Agora o fato de ser aceita a psicografia como prova não significa dizer que devamos concluir que ela seja o meio de prova fundamental para o julgamento de causa judicializada ou mesmo fazer dela prova absoluta, não relativizável pelos demais meios probantes constantes no processo.
Ocorre que, como os demais meios de prova, a psicografia pode sim estar sujeita a eventuais fraudes ou imprecisões, sendo também relevante salientar que nem sempre o exame técnico da carta (perícia grafodocumentoscópica) pode apontar a identidade da letra e assinatura do ente desencarnado com a letra e assinatura do seu período em vida – isto porque o médium pode interferir no processo de comunicação, distorcendo, mesmo que minimamente, a letra e assinatura que constarão na carta psicografada [32].
Firmando então nítida a possibilidade de admissão aos autos da carta psicografada, temos, por outro lado, para analisar a sua valoração no contexto probatório, que levar em consideração a (a) eventual possibilidade de fraude, ou, menos raro, da falibilidade intrínseca ao fenômeno de captação da mensagem (falhas ou auto-sugestão) [33], a (b) impossibilidade de em todos os casos ser feito estudo técnico positivo (rectius: análise grafotécnica positiva) para identificar a letra da carta psicografada com a letra do ente desencarnado quando em vida, e inclusive, podemos ainda acrescentar, que se deve levar em consideração o (c) estágio ainda incipiente do estudo da relação entre o Espiritismo e o Direito, bem como as vozes que negam qualquer cientificidade ao espiritismo kardecista – tratando-o como mera crença, produto da fé, religião em sentido estrito.
Eis as razões pelas quais entendemos, cientes do contexto atual em que a polêmica aflora, que o julgador ao admitir a prova psicografada, não deve considerá-la como prova central, fundamental para julgamento da causa; deverá utilizar-se da prova psicografada como meio de prova subsidiário, "argumento de prova", a dar respaldo às conclusões obtidas através dos demais meios de prova carreados aos autos. Em termos mais técnicos, à luz do conceito de "argumento de prova" destacado por Michele Taruffo e Luigi Montesano [34], entendemos que a psicografia deve ser considerada como uma prova atípica que serviria de instrumento lógico-crítico a auxiliar na valoração das provas típicas componentes da instrução do processo – adquirindo a psicografia, nesta perspectiva, função acessória e integrativa do teor das provas típicas.
Além dessa (cautelosa) posição hierárquica estabelecida, deduz-se que só poderão ser utilizadas, no processo, no nosso entendimento, as psicografias que contenham informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos acontecimentos a serem provados (indícios de fidedignidade), o que reforçaria a convicção do julgador a respeito da sua autenticidade.
A partir dessas premissas, compactuamos com o entendimento de Marcos Vinícius Severo da Silva (Presidente da Associação Jurídica Espírita do Rio Grande do Sul) quando explica que "há necessidade de critério, prudência e cautela na aferição do valor probante da carta psicografada, assim como das demais provas existentes nos autos" [35]. No mesmo diapasão, sensatas as palavras de Eduardo Valério (membro da Associação Jurídica Espírita de São Paulo) ao falar em "presença de equilíbrio racional", vendo "a utilização da psicografia nos tribunais com enorme cautela", concluindo que "as cartas psicografadas devam ser aceitas como mais um elemento de prova, a serem sopesadas pelo juiz (ou jurados, se no tribunal do júri), à luz do princípio da livre convicção; jamais como elemento absoluto e inquestionável que possa levar, por si só, a uma condenação ou a uma absolvição" [36].
V. Breve análise de casos judiciais paradigmáticos
9.
Conforme pesquisa dos principais julgados pátrios, em que admitida a prova psicografada, a mesma foi examinada dentro de um contexto probatório, sendo utilizada como elemento de confirmação das provas típicas produzidas no processo.
De acordo, em "leading case" recorrentemente lembrado, o Juiz Orimar de Bastos, da 6ª Vara Criminal de Goiás, em 1979, inocentou o réu, amigo íntimo da vítima, da acusação de homicídio (concluindo ter se tratado de mero acidente com arma de fogo), valendo-se, como prova acessória, de mensagem da vítima, psicografada por Chico Xavier[37] - in casu, a mensagem psicográfica recriou com propriedade o momento do crime, corroborando com as informações prestadas pela perícia, fazendo alusões a referências muito pouco conhecidas inclusive pela família, e ainda contendo a assinatura no final da mensagem, idêntica a da identidade da vítima.
10. Para o mesmo caminho apontam vários outros casos judiciais analisados pela doutrina especializada [38]. Um em especial destacamos na parte final deste ensaio: trata-se de outro caso de reconhecimento de inocência de réu (acusado de supostamente premeditar a morte de vítima em Viamão/RS), em razão da insuficiência de provas materiais do delito combinada com o teor de duas cartas psicografas pela vítima, as quais, com bons indícios de fidedignidade, inocentavam o réu de qualquer culpa em relação ao infeliz evento que determinou o seu óbito – no caso, houve recurso (Apelação Crime) ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido confirmada, em 11/11/2009, a possibilidade de utilização (criteriosa) da prova psicografada no processo, sendo mantida a decisão que inocentava o réu (relatoria do acórdão da lavra do Desembargador José Martinez Lucas) [39].
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VI. Conclusão
Buscaremos, encerrando o presente ensaio, recapitularmos as principais ideias trazidas à reflexão e ao debate.
Iniciamos retomando que, de acordo com a melhor interpretação da Constituição, o direito de provar deve ser reconhecido como prioritário, sendo impedido de aporte ao processo tão somente das provas flagrantemente ilícitas. Não é o caso da prova psicografada, baseada em vasta demonstração da cientificidade do fenômeno mediúnico.
Assim sendo, a psicografia pode ser identificada como prova atípica, a partir do que dispõe o ano 332 do CPC, já que é fonte de prova que não está prevista no ordenamento, mas que pode sim ser racionalmente admitida, no processo criminal ou cível; não obstante, por cautela necessária, dever ser valorada como meio probante acessório ("argumento de prova") a servir de elemento/motivo para a formação da convicção do juiz.
Pelo exposto no corpo do ensaio, acrescenta-se que só devem ser utilizadas as psicografias que contenham informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos acontecimentos a serem provados (indícios de fidedignidade), o que reforçaria a convicção do julgador a respeito da sua autenticidade – ainda cabendo a utilização da grafoscopia, nos casos em que se poderia sustentar que a letra da carta psicografada é muito próxima da do ente desencarnado quando em vida terrena (situação que é menos comum de acontecer, como reconhecido pela doutrina espírita especializada).
De qualquer forma, refutam-se os principais argumentos daqueles que pregam a não admissibilidade da prova psicografada (em torno do elemento religioso do documento e da falibilidade da mensagem escrita), ao passo que demonstrada não só a cientificidade do fenômeno que envolve a psicografia, mas também a possibilidade de fraudes e incorreções virem efetivamente a ocorrer em qualquer meio de prova, atípico ou típico (documental, pericial e principalmente testemunhal).
Por todos esses elementos temos como precipitada, retrógrada e mesmo equivocada do ponto de vista científico, cultural e moral, a tentativa, levada ao Congresso Nacional, via Projeto de Lei (n° 1.705/2007), de alterar o texto da lei processual para expressamente ser proibido o documento psicografado no processo brasileiro.
Temos, a bem da verdade (de acordo com a demonstração suficiente que procuramos expor neste ensaio), a convicção do avanço científico, cultural e moral que representa o debate e principalmente a utilização (criteriosa) da carta psicografada pelos tribunais – sendo útil lembrarmos, nesse tempo de reflexão a respeito de tema tão denso e delicado, uma formidável máxima filosófica, assim exposta: "pode-se admitir a dúvida, antes de estudar; a negativa, depois de se estudar; mas a negativa simples, sem estudos e provas, é vazia de senso e de responsabilidade"[40].
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VII. Referências
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Notas
1. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 154/161.
2. Grupo de estudos de Direito e Espiritismo, que vem se difundindo em vários estados brasileiros – sendo que em São Paulo os estudos do grupo paulista deu origem à obra de mesmo nome, no ano de 2010, com coordenação de Tiago Cintra Essado e prefácio de Miguel Reale Jr. (Editora AJE/SP).
3. RUBIN, Fernando. "Provas atípicas" in Revista Lex de Direito Brasileiro n° 48 (2010). P. 44 e ss.
4. Com 25 anos de idade, o maior espírita kardecista brasileiro, Chico Xavier, revelou os seguintes detalhes das suas psicografias: "quando grafo as mensagens nas sessões, eu só faço-o mecanicamente. Um torpor pesado prolongado me invade. Serão realmente dos nomes que as assinam as páginas então produzidas? Eu não poderia responder precisamente, porque, então, a minha consciência como que dorme. De uma coisa, porém julgo estar certo: não posso considerar minhas essas páginas porque não despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-las no papel" (MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 60).
5. MOURA. Kátia de Souza. "A psicografia como meio de prova" in Jus Navegandi, Teresina, ano 10, nº 1173, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8941. Acesso em 21/10/2010.
6. RINALDI, Sônia. "Espírito - o desafio da comprovação". SP: Elevação Editora, 2000.
7. "Médiuns escreventes são os que transmitem pela escrita os pensamentos dos invisíveis; sem dúvida, são os mais úteis instrumentos de comunicação com os Espiritos". Mas deixa claro o autor que: "(..) estabelecida a comunicação, o espírito pode agir sobre o médium, produzindo efeitos diversos, que se traduzem pela visão, audição, escrita, tiptologia, etc." (DELANNE, Gabriel. "O espiritismo perante à ciência". RJ: Federação espírita brasileira, 1993, 2ª ed. p. 328/330).
8. A grafoscopia pode ser definida como um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação de autenticidade gráfica e da autoria gráfica (PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 23).
9. PERANDRÉA. Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 56/58.
10. MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 218/221.
11. REALE JR., Miguel. "Razão e religião" in O Estado de São Paulo, São Paulo, 3/01/2009, p. 2.
12. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 131/136.
13. TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 115/213.
14. Allan Kardec estabeleceu o aspecto tríplice da doutrina espírita: (i) ciência, (ii) filosofia e (iii) religião. Há duas fases distintas na história do Espiritismo, que é útil assinalar: a primeira compreende o período que vai de 1846, data aproximada de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da morte de Allan Kardec; o segundo período, que se estende de 1869 até nossos dias, é caracterizado pelo movimento científico, que se voltou para as manifestações dos espíritos (KARDEC, Allan. "O livro dos espíritos". RJ: Federação espírita brasileira, 1985, 62ª ed. p. 13/47).
15. "Apesar de todos os sistemas observacionais e técnicos aos quais nos referimos, capazes de produzir uma evidência praticamente irrecusável da sobrevivência (do Espírito), ainda persistem extensas áreas de resistência a sua aceitação pelo oficialismo científico. Os refutadores, de um modo geral, lançam mão de 'explicações paralelas', mediante as quais tentam invalidar a tese espiritualista, reduzindo as causas de tais fenômenos a meras funções paranormais do ser humano vivente" (ANDRADE. Hernani Guimarães in Prefácio da obra de PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editor, jornalística fé. 1991. p. 03).
16. Partindo dessas premissas e estudando grandes questões polêmicas do direito sob olhar do Espiritismo Kardecista, consultar – MOREIRA, Milton Medran. "Direito e justiça, um olhar espírita". Porto Alegre: Imprensa livre, 2004.
17. AHMAD, Nemer da Silva. "Psicografia: o novo olhar da justiça". São Paulo: Aliança, 2008. p. 97.
18. KARDEC, Allan. "O céu e o inferno". Tradução de Salvador Gentile. São Paulo: Boa Nova, 2006. Especialmente p. 70/82.
19. PAIVA, Ana. "Juristas rejeitam provas espíritas" in http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/11 /294743.shtml. Acesso em 21/10/2010.
20. "Se, em direito, abre-se a possibilidade excepcional de considerar a prova ilícita, baseando-se no princípio da proporcionalidade, sopesando os interesses e os direitos em jogo, qual a razão de não se considerar a psicografia, que nada de ilícita tem como meio de prova? Nenhuma. Fredie Didier explica que há vários critérios para não se admitir determinado meio de prova; como limitações cita razões extraprocessuais, a exemplo de questões política, moral, ética e religiosa. Não é o que se aplica à psicografia. Embora seja um procedimento verificado na doutrina espírita, aqui se aborda exclusivamente o seu aspecto científico" (MOURA. Kátia de Souza. "A psicografia como meio de prova" in Jus Navegandi, Teresina, ano 10, nº 1173, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8941. Acesso em 21/10/2010).
21. No Brasil, o direito fundamental de provar, poderia ser plenamente deduzido do princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5°, XXXV CF/88), articulado com os corolários do devido processo legal - notadamente contraditório e ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes (art. 5°, LIV e LV da CF/88) (GRlNOVER, Ada Pellegrini. "Prova emprestada" in Revista Brasileira de Ciências Criminais n° 4,1993: 60/69; KNIJNlK, Danilo. "A prova nos juízos cível, penal e tributário". RJ: Forense, 2007. p. 07).
22. Com efeito, Mauro Cappelletti já registrava que o grau de aceitação pelo ordenamento dos meios de prova expressamente não catalogados serve de critério para se aferir o grau de consagração do princípio do livre convencimento do juiz em um determinado sistema processual (CAPPELLETTI, Mauro. "La testemonianza della palte nel sistema dell'oralità". Milão: Giuffre, Primeira Parte, 1962, p.270).
23. "O reconhecimento da existência de um direito constitucional à prova implica a adoção do critério da máxima virtualidade e eficácia, o qual procura admitir todas as provas que sejam hipoteticamente idôneas a trazer elementos cognitivos a respeito dos fatos da causa, independente de prova, procurando excluir as regras jurídicas que tornam impossível ou excessivamente difícil a utilização dos meios probatórios" (CAMBI, Eduardo. "A prova civil: admissibilidade e relevância". SP: RT, 2006. p. 35).
24. A respeito do tema "provas atípicas", consultar: BARBOSA MOREIRA, J.C. "Provas atípicas" in Revista de Processo n° 76, 1994: 114/126; RIBEIRO, Darci Guimarães. "Provas atípicas". Porto Alegre: Livraria do advogado, 1998.
25. Darci Guimarães Ribeiro, ao desenvolver um critério objetivo integrante do conceito de prova, traz interessantes dados que se coadunam com o exposto ao referir que "por critérios objetivos deve-se entender os meios utilizados pelas partes ou impostos pela lei para convencer o juiz do seu direito, são os mecanismos, os instrumentos transportadores da certeza necessária para a formação da convicção no espírito do julgador, e, via de regra, pois salvo as provas atípicas, estão presentes na lei, porém não se esgotando nela" (RIBEIRO, Darci Guimarães. "Tendências modernas de prova" in AJURIS, n° 65, 1995: 324/349).
26. Especificamente sobre as duas primeiras fases, Walter Camejo Filho registra que "o procedimento probatório desenvolve-se em diversas etapas. Na primeira, a postulatória, as partes pedem a produção de determinadas provas. O juiz nesse momento exerce verdadeiro juízo de admissibilidade em ralação às mesmas, determinando aquelas que considerar relevantes (. . .) A dimensão mais ampla desta filtragem inicial é aquela que investiga as provas sob a ótica da licitude (...); superada esta primeira fase, o juiz irá investigar se a prova preenche o requisito da adequação - em outras palavras, se a prova é adequada para evidenciar o fato alegado pela parte; por fim, ultrapassados os planos da licitude e da adequação, a prova ainda vai ser submetida ao crivo da pertinência - entendida esta como o necessário liame entre a prova e o objeto do litígio propriamente dito" (CAMEJO FILHO, Walter. "Juízo de admissibilidade e juízo de valoração das provas" in Prova Cível, organizador Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. RJ: Forense, 1999. p. 01/21).
27. Umas das importantes classificações de prova é aquela que estabelece a diferenciação entre prova pré-constituída e prova casual: a primeira seria formada fora do processo que pode eventualmente ser empregada nele; a segunda seria formada incidentalmente ao feito, seguindo certas formas legais, a fim de ser considerada prova judiciária. Sobre todas as classificações, ver SANTOS, Moacyr Amaral. "Prova judiciária no Cível e comercial". SP: Max Limonad, 1970, Vol. 1,4ª ed. p. 53/71.
28. Sobre a diferenciação básica entre fonte de prova e meio de prova, ver MELENDO, Sentís. "Natureza de la prueba" - La prueba es libertad" in RT n° 462,1974,11/21; e CARNELUTTI, Francesco. "La prueba civil". Trad. Niceto Alcalá-Zamora Y Castillo. Buenos Aires: Depalma, 1982, 2ª ed. p. 67/77 e 239.
29. CAMBI, Eduardo. "A prova civil: admissibilidade e relevância". SP: RT, 2006. p. 37.
30. Interessante, a respeito, passagem de Barbosa Moreira em que o notável jurista acentua que "a precipitação cerceia de modo intolerável o exercício do direito de ação ou de defesa" (BARBOSA MOREIRA, J. C. "Efetividade do processo e técnica processual" in AJURIS n° 64:149/161).
31. RUBIN, Fernando. "A preclusão na dinâmica do processo civil". Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Especialmente p. 227/237.
32. Conforme descreve o jurista Miguel Timponi "nem sempre é possível obter-se uma grafia igual ou semelhante. Esses casos são raríssimos e excepcionais. Na escrita direta, em que o comunicante não faz uso do aparelho neuromuscular do médium (não é o caso de Francisco Cândido Xavier), a grafia e a assinatura podem resultar perfeitas e exatas. Tratando-se, porém, de escrita mecânica, só excepcionalmente seria possível a verificação de semelhança, porque já aí a comunicação se faz por intermédio de um corpo somático, que nem sempre se afina com o comunicante, e que sofre a influência do psiquismo do médium e de outros fatores" (TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 211/212).
33. "Qualquer que seja o modo de comunicação, a prática do Espiritismo, do ponto de vista experimental, apresenta numerosas dificuldades, e não está isenta de inconvenientes para qualquer um a quem falta a experiência necessária. Que se experimente por si mesmo, ou que seja simples observador, é essencial saber distinguir as diferentes naturezas de Espíritos que podem se manifestar, de conhecer as causas de todos os fenômenos, as condições nas quais eles podem se produzir, os obstáculos que podem a eles de opor (...)" "(...) Agora, do fato de se poder imitar uma coisa, não se segue que ela não existe" (KARDEC, Allan. "O que é o espiritismo". SP: Instituto de difusão espírita, 34ª ed., 1995. p. 132/133 e 31/33). No mesmo sentido, na obra de Marcel Soto Maior, em inúmeras oportunidades são ressaltadas as complexidades do fenômeno psicográfico, destacando-se a seguinte passagem: "o fenômeno mediúnico é muito falho; é frágil, mas existe. Este intercâmbio está sempre sujeito a falhas de filtragem" (MAIOR, Marcel Soto. "Por trás do véu de ísis, uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos". SP: Planeta do Brasil. p. 194).
34. TARUFFO, Michele. "Prove atipiche e convincimento del giudice" in Revista di diritto processuale, parte, 2, vol. 28, 1973: 389/434; MONTESANO, Luigi. "Le prove atipiche nelle presunzioni e negli argomenti del giudice civile". Padova: Cedam, 1982, Vol. 2 Pgs. 999/1015.
35. SEVERO DA SILVA, Marcos Vinicius. "Carta psicografada como prova" in Jornal Zero Hora, edição 16167, dia 26/11/2009.
36. POLÍZIO, Vladimir. "A psicografia no tribunal". São Paulo: Butterfly, 2009. p. 147.
37. PERANDRÉA, Carlos Augusto. "A psicografia à luz da grafoscopia". SP: Editora jornalística fé, 1991. p. 35.
38. AHMAD, Nemer da Silva. "Psicografia: o novo olhar da justiça". São Paulo: Aliança, 2008. P. 170/186.
39. Íntegra do acórdão referente à Apelação Crime n° 70016184012 pode ser obtida no sítio do TJ/RS (www.tjrs.jus.br).
40. TIMPONI, Miguel. "A psicografia ante os tribunais". Rio de Janeiro: Feb, 2010, 7ª ed. p. 115."
sexta-feira, 29 de abril de 2011
CONSCIÊNCIA DIVINA E CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL
Sou formado em Direito, e por ter estudado essa área do conhecimento, possuo uma consciência definida em torno disso. Se folheio autos de processo, compreendo o que neles está posto, de uma forma distinta àquela que um vulgo entenderia. Para este, autos de processo é um monte de papel sem maior significação; para mim, neles há muitos significados e posso perceber isso. Da mesma forma, quando observo o corpo humano, não posso notar as mesmas coisas que um médico perceberia. Em função do conhecimento adquirido em seus estudos, o médico compreende o corpo humano de maneira diversa, pode diagnosticar eventuais problemas que o vulgo ignoraria.
Isto decorre da consciência que cada qual possui a respeito das coisas. Não existindo um certo parâmetro de consciência, as coisas, mesmo existindo, não são notadas, é como se não existissem. Uma equação para o matemático tem significado, traduz uma realidade que, para nós, não existe. Posso estar vendo algo, mas por não compreendê-lo, é como se esse algo não existisse. Os órgãos dos sentidos prestam seu papel na percepção das coisas, mas sem a interpretação pelo ser cognoscente, a captação dos sentidos não têm valor.
Tive um professor de Direito Civil que era até antipatizado por sua atitude em não permitir que seus alunos, durante a aula, fizessem perguntas. Mas justificava isso: "Se você não conhece nada sobre uma coisa, em consequência não pode ter dúvidas. Só vai ter dúvidas válidas depois de se inteirar completamente do assunto e, meditando sobre ele, encontrar lacunas que não possa resolver por si mesmo. Neste caso estarei aqui, mas recuso-me a perder o tempo precioso da aula para responder questões impensadas. Se o aluno, depois de ter visto todo o tema, após meditar sobre ele, encontrar dificuldades, pode me procurar. Antes disso, esqueça".
O ser humano percebe e compreende, na verdade, aquilo que está em seu interesse perceber e compreender. Todo o resto é ignorado. Meu irmão, assim como muitas outras pessoas que conheço, têm um talento que não possuo: qualquer coisa que observam, sobre ela imediatamente interpretam um meio pelo qual possam investir e gerar lucro financeiro. Como eu, desde cedo, ingressei em um cargo público, no qual sempre recebi um salário certo com o qual, de uma forma ou de outra, consigo subsistir e planejar, acabei não desenvolvendo esse comportamento interpretativo em relação às coisas, por isso nem sempre sou capaz de notar o potencial lucrativo (ou de prejuízo) de determinado negócio. Se preciso disso, recorro a meu irmão, que poderá ver o que não vejo, assim como quando ele necessita resolver alguma questão jurídica, não pensa duas vezes e recorre a mim, pois sabe que serei capaz de enxergar o que ele não pode.
Se a realidade está para o ser humano de acordo com seu próprio interesse, ou dito em outras palavras, a realidade se faz para a pessoa de acordo com aquilo que ela deseja compreender, isto significa que a realidade, em relação ao indivíduo, é um produto da concepção deste. O ser humano não abarca a realidade senão de acordo com a consciência que tem. E esta consciência progride na medida de seu interesse, de seus desejos. Certo dia tive interesse em estudar Direito, então fiz evoluir a minha consciência nessa direção e hoje possuo uma consciência jurídica das coisas. O mundo jurídico não existiria para mim caso não fosse nessa direção, por minha própria vontade; poderia ter adotado outros mundos, outras realidades, tais como a realidade biológica, ou a realidade econômica.
Um elefante é uma realidade em si mesma, mas para mim, que possuo consciência jurídica, é um bem semovente submetido à propriedade de alguma pessoa, física ou jurídica. Para o meu irmão, pode se tratar de um objeto que seria vendido com uma boa margem de lucro. Para o biólogo, o trombudo é um mamífero quadrúpede, da classe dos paquidermes, e assim por diante. Estão todos certos - e todos errados, dependendo do ponto de vista. De nada adiantará a realidade comercial do meu irmão, se a minha realidade jurídica o advertir que o elefante em questão é de propriedade do Estado da África do Sul e está em regime protegido. Não necessáriamente, mas muitas vezes as várias consciências se contrapõem: o que é verdadeiro para a realidade de alguns, para a de outros é falso. Isto acontece porque as consciências individuais são fragmentadas, relativas. Se só vejo uma porção da realidade - aquela que me interessa ver - quando me deparo com outra porção da mesma (aquela que não desejo ver), pode existir um choque. Um choque de interesses. Por muito menos que o conceito diverso a respeito de um paquiderme, foram declaradas guerras sangrentas.
Mas o que é a consciência em si? Que ela se estabelece em função do interesse, do desejo do ser consciente, já está dito. Mas isso não define o que É a consciência. Na concepção dos materialistas, trata-se de produto da atividade cerebral. Os espiritualistas levam-na à conta de um atributo da alma. Um embate de realidades díspares, de realidades contrapostas, estabelecidas por interesses definidos. É perceptível que não é solucionando esse embate que encontraremos a definição do que é a consciência, pois optando por um ou por outro lado, estaríamos sendo levados pelo próprio mecanismo da consciência.
As teses que se contrapõem aqui têm, as duas, bases sólidas e históricamente estabelecidas. O espiritualismo encontra respaldo no idealismo platônico e em inúmeras filosofias, ocidentais e orientais: o materialismo, no método empírico-indutivo e em um sem-número de vertentes filosóficas também respeitáveis. Existiria a possibilidade de uma síntese?
O MATERIALISMO E O ESPIRITUALISMO - QUESTÃO DE PALAVRAS?
A Cosmologia e a Física atingiram um ápice no conhecimento, em que toda a base sobre que se fundavam se mostrou inconsistente, como areia movediça. A teoria do "big-bang" considera que o universo, tal como conhecemos, teve início há cerca de treze bilhões de anos, em um momento "zero" no qual toda a matéria estava concentrada em um ponto ínfimo, de densidade infinita. Ao mesmo tempo em que a matéria em tal estado é virtualmente inconcebível, mais incognoscível está qualquer suposição do que existia antes disso. Por outro lado, a Física Quântica chegou no ponto de considerar a matéria primordial como elementos de informação constitutivos, em que massa e movimento nada mais são que números sem substância própriamente, e cujos parâmetros não podem ser estabelecidos independentemente do observador, quebrando-se, deste modo, a dicotomia entre observador e observado.
Se com isto o materialismo perdeu substância sobre que se basear, do mesmo modo o espiritualismo não tem esteio. Se espiritual é qualquer coisa que tem natureza diversa da matéria, como poderíamos definir essa coisa, se não sabemos nem o que é a matéria? Como saber o que é o branco sem conhecer o preto? Se o "ovo" primordial do universo, no momento inicial do "big-bang" era "matéria" em estado absolutamente diverso àquilo que chamamos de "matéria", poderíamos muito bem conceituá-lo como não-matéria - espírito, portanto.
"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas" (Gênesis, 1. 1.2).
A terra era sem forma e vazia (são atributos da matéria, tal como a conhecemos, a forma e a substância). Havia trevas sobre a face do abismo (claro, sem matéria tal como conhecemos, não há emissão de energia, não há luz). O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (tradicionalmente água era a substância primordial, capaz de gerar a vida, e o Espírito de Deus se movia, ou seja, trabalhava nela).
Vista desta forma, a narrativa bíblica em nada se contrapõe à concepção científica. Se entendermos por "Espírito de Deus" aquilo que havia antes da matéria existir tal como a conhecemos, o âmago do "big-bang", não há qualquer diferença entre o que está escrito nos Gênesis e aquilo que os cientistas teorizam.
É preciso nos lembremos da Teoria Especial da Relatividade. Tempo e espaço não são realidades autônomas, elas são produto da matéria, são dimensões decorrentes da própria matéria. Não é que no momento inicial do "big-bang" existia um espaço vazio imenso em volta, aguardando a expansão da matéria. Nem se poderia "aguardar" nada, pois o tempo não corria. Tempo e espaço começaram a existir simultânea e proporcionalmente com a expansão do universo.
O seja, a "substância" que se comprimia em densidade infinita no "ovo" do "big-bang", a chamada "singularidade" (palavra, aliás, que os próprios cientistas dizem ter adotado por falta de outra melhor), estava em uma legítima situação de eternidade. Eterno, ao contrário do que muitos conceituam - no sentido de perpetuidade, imortalidade -, é o estado daquilo que não se submete à condição de tempo e espaço, que não está na dimensão material.
O VERDADEIRO EMBATE: A CONSCIÊNCIA EM SI.
Podemos ver então que a questão não se cinge ao materialismo ou espiritualismo, pois estes são, no momento atual, dois conceitos sem valia para a compreensão da Realidade última. Se o primórdio do universo não era matéria, pode ser tido como "espírito" e, por ter sido a causa de todas as causas, não há motivo para não chamá-lo de "Deus". Aliás, esse elemento primordial não carece de nenhum dos atributos que usualmente aplicamos ao conceito de Deus: é eterno (não se submete ao tempo e ao espaço), é infinito (densidade absoluta), é onipotente (sua expansão gerou tudo que existe).
Penso que a controvérsia está em um ponto específico: este processo está regido por uma Consciência? O Universo começou a se expandir, gerando matéria e sistemas, por um interesse próprio, houve uma Vontade inicial que disse para si-Mesma: "vou me expandir"?
Nós humanos gostamos de crer que a consciência é um atributo exclusivo de nossa espécie. Após milhões de anos, do vazio pétreo e inconsciente, por um processo evolutivo ímpar, surgimos nós, os humanos, reis do universo, únicos seres capazes de ter consciência e vontade. Esta visão é interessante e vantajosa, pois nos dá o direito de dispor de tudo quanto não possui consciência. Históricamente aliás, sempre que alguns humanos queriam dispor de outros, escravizando-os, davam um jeitinho de justificar a coisa, dizendo que os ditos escravos não possuíam alma (em outras palavras, não tinham consciência). Assim fazemos com todos os seres vivos. Como não vemos as vibrações de sofrimento das árvores, as consideramos "inconscientes" e não sentimos culpa por derrubá-las; fazemos ouvidos moucos a mugidos, grunhidos e gritos de animais ditos "inferiores", levamos tais sons na conta de reações vazias (os animais também não têm alma!), e cortamos suas gargantas para nos refastelar com sua carne nutritiva.
Também é interessante e muito vantajoso negar consciência ao Princípio das coisas, tê-lo como um "feliz acaso". Assim podemos justificar nossos próprios sistemas morais e éticos, ou mesmo não ter nenhum sistema, sem ter que nos reportar a ninguém. "Que saco, não posso fazer nada e esse Sujeito fica lá em cima me recriminando!" É melhor mesmo que esse Sujeito não exista, não é?
Mais uma vez a realidade estabelecida o é de acordo com o interesse. Nossa consciência do mundo está de acordo com nossos desejos. Ignoramos a possibilidade de uma Consciência superior, que teria desejado criar o Universo, porque isso nos é conveniente. Mas - quanto esta conveniência está de acordo com a Realidade em si? O que aconteceria ao meu irmão se ele, ignorando a realidade jurídica, vendesse o elefante para alguém? Por certo o governo da África do Sul o poria atrás das grades por dispor de uma propriedade do Estado, que estava sob regime de proteção.
Do mesmo modo, nada obsta ignoremos a realidade de uma Consciência superior. Esta, contudo, por ser superior, não se prejudica com esta nossa ignorância, simplesmente nos arrastará pelo caminho que nos cabe no sistema por ela planejado, esperneemos ou não. Porque não conhece a língua falada na África do Sul, meu irmão sequer saberá porque está preso. E porque ignoramos completamente a Consciência superior, também não saberemos a razão pela qual fomos "arrastados" por caminhos que não queremos.
A CONSCIÊNCIA SUPERIOR - DEUS
Em primeiro lugar é preciso peguemos todas as concepções arcaicas que engavetamos a respeito de Deus, as ponhamos em um saco e as joguemos no lixo. E explico a razão: elas advém de uma história tortuosa, equivocada, em que se misturam indevidamente idéias teológicas legítimas com desvios comportamentais de instituições viciadas, interpretações errôneas que visavam interesses mesquinhos de pessoas e de grupos.
Não está longe a Revolução Francesa, que para se contrapor visceralmente contra a instituição vigente - a Igreja - declarou que Deus não existia e entronou a "Deusa Razão" em Seu lugar. Mas - que é a Razão senão Deus mesmo? Poderia o criador do universo ser irracional? Ideologias diversas se debateram, não sem muitas guerras e muito sangue, nos últimos milênios, em função de interesses pessoais e grupais, tais ideologias nunca foram o objeto primordial de discordância. Um exemplo: Lutero se revoltou contra as ditas "indulgências", pois o ouro saía de seu bolso para engordar os cofres papais. Decidiu então que para chegar a Deus, não precisava dar dinheiro para o Papa, bastava ter a graça de Deus diretamente, e assim ficou com a pecúnia.
O Papa Pio XII, por sua vez, achou por bem ficar quietinho diante das atrocidades cometidas pelo Reich, já que o Vaticano está encravado no coração de Roma, que fica na Itália, e que estava sob o governo de Benito Mussolini, aliado de Hitler. A questão moral não era, afinal, tão importante, poderia esperar um pouquinho.
O que tudo isto tem a ver com Deus? Os homens criam suas querelas minúsculas - perante o Universo são como micróbios lutando por alimento no lodo -, e põem Deus no meio de suas discussões para, de um modo ou de outro, justificarem as próprias atitudes. E Deus "paga o pato". Isto soa tão ridículo que sequer merece qualquer comentário mais aprofundado.
Deus, enquanto Consciência Superior criadora do Universo, não é nenhum conceito absurdo. Muito pelo contrário, digo que indício fidedígno de Sua existência está em nossa própria existência. Se observarmos com atenção as coisas, podemos verificar que nada se desdobra a partir de algo que não existia antes. Não se vê maçã nascendo de bananeiras, nem rios brotando do nada, é preciso existir uma fonte. Pela natureza mesma das coisas, se eu tenho uma consciência - e ela não é ilusão, ela está aqui -, então ela não pode ter vindo de algo diverso. Consciência não é matéria, portanto não pode ter vindo desta. Ela interage com a matéria, mas não é matéria, assim como em um computador se diferenciam hardware e software. Estes interagem, mas não são a mesma coisa. Em informática, o que é perene, o que subsiste na realidade? O programa ou a máquina? Ora, se a máquina se quebra, se a jogamos fora, pegamos o programa e o inserimos em outra. Assim a consciência em interação com a matéria. Simples assim. Contudo, muitos querem forçar o raciocínio e convencer a si mesmos e aos outros, que é possível um computador possa, por si mesmo, gerar consciência. Se pudesse, teria que ter um programa inicial que lhe possibilitasse isso - e criado por uma outra consciência, superior a ele. Mas tente deixar um computador ligado, por bilhões de anos que sejam, e aguarde ele crie consciência por si mesmo, de suas próprias entranhas mecânicas. Acho bom você aguardar esses bilhões de anos deitado em uma rede.
Posto isto, voltemos à dita singularidade do "big-bang". Trata-se de um estado da "matéria", em que sob pressão e densidade infinitos, se restringia em um ponto não submetido nem a tempo nem a espaço (pois não existiam). O que, afinal de contas, "detonou" sua expansão? Se era um ponto sem tempo nem espaço, era eterno por definição. Se não era matéria porque não tinha quaisquer atributos do que chamamos de matéria, tampouco se submetia a causas e efeitos. Estabilizava-se em si mesma infinitamente. Por que razão tal estado de eternidade e equilíbrio em si mesmo, em um dado momento começou a se expandir? Qual a causa se não existiam causas?
Essa singularidade teria dito para si mesma: "Eu quero"?
"E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas." (Gênesis, 1. 3,4).
Eis aqui a única explicação razoável para a coisa, ou seja, a vontade, a determinação. "Eu quero", "eu desejo", uma Consciência que de si mesma e para si mesma gerou a multiplicidade. Eternizava-se no uno da singularidade e resolveu, por vontade própria, expandir-se em múltiplos aspectos. Havia necessidade disso? Era imprescindível? Não. Não há relação necessária, pois não há causa (lembre-se, no seio da singularidade não há tempo nem espaço, portanto não há causas e efeitos, tampouco necessidade).
Por ser potência única geradora de tudo, é mais que tudo, por ser Consciência geradora de todas as consciências, é supra-consciência e as abarca todas. Como é de si mesma e para si mesma, esta Consciência não deseja o próprio mal, portanto é Bem Absoluto. Mal é o que eventualmente se contraponha a Ela, e assim fica apenas enquanto permaneça em contraste - como a sombra decorre de um obstáculo momentâneo à luz.
De Si, em sua expansão infinita, à borda dessa expansão pipocam múltiplas consciências individualizadas - que ao mesmo tempo pertencem à Origem mas têm caráter próprio, como não se confundem os raios luminosos da fonte que os gerou. Somos nós - não só seres humanos, mas todos os seres, vegetais, animais e super-humanos.
AS CONSCIÊNCIAS GERADAS POR DEUS
Tomo a liberdade de tirar proveito da analogia mencionada para dar a compreender o processo de geração das consciências múltiplas a partir de Deus.
Estas são como a borda dos raios luminosos e Deus é a fonte. A fonte luminosa lança seus raios em todas as direções, iluminando, assim, o ambiente. Imaginemos a posição específica da borda de um determinado raio luminoso: está sendo lançada na direção contrária da fonte, e embora faça parte constitucional desta, se defronta com o não-ser, sobre o qual, para o compensar, por ter as mesmas características de Quem a gerou, passa a criar proporcionalmente a seu diminuto poder. Contudo, justamente porque está em situação marginal, em determinado momento esquece-se da Fonte e passa a acreditar que a realidade é apenas aquilo que criou, olvidando tudo aquilo que existe atrás de si. Ora, isto é uma ilusão. Bastaria "olhar para trás" e perceber que faz parte de um Todo maior, que provém de uma Fonte que a gerencia bem como a todas as outras bordas luminosas marginais. Contudo, prefere mergulhar mais e mais na própria fantasia ilusória, como em um brinquedo extremamente fascinante, como uma criança que não deseja parar de brincar.
Como em um jogo, um "game" no qual prendemos a atenção, sofremos ao perder e alegramo-nos quando vencemos. Na fascinação do jogo, enquanto este perdura, a "realidade" é o jogo, ficamos fechados à Realidade externa aos mecanismos do lúdico. E, quando o jogo termina, se ficou alguma insatisfação por termos perdido, se ficou a satisfação de termos ganho, logo desejamos voltar a jogar, ou para ganhar novamente ou para compensar a perda. Viciosamente buscamos revivenciar o jogo. Por isso, nascemos e morremos múltiplas vezes, presas desse jogo, que é a vida "material" própriamente dita. Sómente quando finalmente percebemos que é apenas um jogo, que nada tem esse brinquedo de essencial em nossa constituição, é que voltamos à Realidade plena.
A expansão dessa Fonte é cíclica, ela não joga seus raios para além de si mesma senão para trazê-los de volta e depois lançá-los, novamente. Como o pulsar de um coração vivo, como o refluir das águas, a Fonte chama constantemente para si aqueles que lançou no infinito, que na verdade é Ela mesma. Como existe em si mesma e para si, decidiu que a unicidade não se presta ao exercício do Amor - o qual supõe a multiplicidade. O retorno das multiplas consciências para Si não poderia, contudo, ser obrigatório - pois o Amor deve ser livre, ninguém ama por dever de amar, o amor deve ser uma decisão autônoma da consciência. "Que brinquem", pensa Consigo, "um dia sentirão Minha falta e naturalmente voltarão, de livre e espontânea vontade, para Mim. Enquanto isso, espero. Se querem brincar, que brinquem. Se querem se iludir, até ajudo nessa ilusão, pois não há mal algum nisso - apenas ficarão muito mais tempo entretidas". Apenas não quer que voltem a Ele de má-vontade, por obrigação, quer que voltem por afeto, por amor legítimo.
Isto decorre da consciência que cada qual possui a respeito das coisas. Não existindo um certo parâmetro de consciência, as coisas, mesmo existindo, não são notadas, é como se não existissem. Uma equação para o matemático tem significado, traduz uma realidade que, para nós, não existe. Posso estar vendo algo, mas por não compreendê-lo, é como se esse algo não existisse. Os órgãos dos sentidos prestam seu papel na percepção das coisas, mas sem a interpretação pelo ser cognoscente, a captação dos sentidos não têm valor.
Tive um professor de Direito Civil que era até antipatizado por sua atitude em não permitir que seus alunos, durante a aula, fizessem perguntas. Mas justificava isso: "Se você não conhece nada sobre uma coisa, em consequência não pode ter dúvidas. Só vai ter dúvidas válidas depois de se inteirar completamente do assunto e, meditando sobre ele, encontrar lacunas que não possa resolver por si mesmo. Neste caso estarei aqui, mas recuso-me a perder o tempo precioso da aula para responder questões impensadas. Se o aluno, depois de ter visto todo o tema, após meditar sobre ele, encontrar dificuldades, pode me procurar. Antes disso, esqueça".
O ser humano percebe e compreende, na verdade, aquilo que está em seu interesse perceber e compreender. Todo o resto é ignorado. Meu irmão, assim como muitas outras pessoas que conheço, têm um talento que não possuo: qualquer coisa que observam, sobre ela imediatamente interpretam um meio pelo qual possam investir e gerar lucro financeiro. Como eu, desde cedo, ingressei em um cargo público, no qual sempre recebi um salário certo com o qual, de uma forma ou de outra, consigo subsistir e planejar, acabei não desenvolvendo esse comportamento interpretativo em relação às coisas, por isso nem sempre sou capaz de notar o potencial lucrativo (ou de prejuízo) de determinado negócio. Se preciso disso, recorro a meu irmão, que poderá ver o que não vejo, assim como quando ele necessita resolver alguma questão jurídica, não pensa duas vezes e recorre a mim, pois sabe que serei capaz de enxergar o que ele não pode.
Se a realidade está para o ser humano de acordo com seu próprio interesse, ou dito em outras palavras, a realidade se faz para a pessoa de acordo com aquilo que ela deseja compreender, isto significa que a realidade, em relação ao indivíduo, é um produto da concepção deste. O ser humano não abarca a realidade senão de acordo com a consciência que tem. E esta consciência progride na medida de seu interesse, de seus desejos. Certo dia tive interesse em estudar Direito, então fiz evoluir a minha consciência nessa direção e hoje possuo uma consciência jurídica das coisas. O mundo jurídico não existiria para mim caso não fosse nessa direção, por minha própria vontade; poderia ter adotado outros mundos, outras realidades, tais como a realidade biológica, ou a realidade econômica.
Um elefante é uma realidade em si mesma, mas para mim, que possuo consciência jurídica, é um bem semovente submetido à propriedade de alguma pessoa, física ou jurídica. Para o meu irmão, pode se tratar de um objeto que seria vendido com uma boa margem de lucro. Para o biólogo, o trombudo é um mamífero quadrúpede, da classe dos paquidermes, e assim por diante. Estão todos certos - e todos errados, dependendo do ponto de vista. De nada adiantará a realidade comercial do meu irmão, se a minha realidade jurídica o advertir que o elefante em questão é de propriedade do Estado da África do Sul e está em regime protegido. Não necessáriamente, mas muitas vezes as várias consciências se contrapõem: o que é verdadeiro para a realidade de alguns, para a de outros é falso. Isto acontece porque as consciências individuais são fragmentadas, relativas. Se só vejo uma porção da realidade - aquela que me interessa ver - quando me deparo com outra porção da mesma (aquela que não desejo ver), pode existir um choque. Um choque de interesses. Por muito menos que o conceito diverso a respeito de um paquiderme, foram declaradas guerras sangrentas.
Mas o que é a consciência em si? Que ela se estabelece em função do interesse, do desejo do ser consciente, já está dito. Mas isso não define o que É a consciência. Na concepção dos materialistas, trata-se de produto da atividade cerebral. Os espiritualistas levam-na à conta de um atributo da alma. Um embate de realidades díspares, de realidades contrapostas, estabelecidas por interesses definidos. É perceptível que não é solucionando esse embate que encontraremos a definição do que é a consciência, pois optando por um ou por outro lado, estaríamos sendo levados pelo próprio mecanismo da consciência.
As teses que se contrapõem aqui têm, as duas, bases sólidas e históricamente estabelecidas. O espiritualismo encontra respaldo no idealismo platônico e em inúmeras filosofias, ocidentais e orientais: o materialismo, no método empírico-indutivo e em um sem-número de vertentes filosóficas também respeitáveis. Existiria a possibilidade de uma síntese?
O MATERIALISMO E O ESPIRITUALISMO - QUESTÃO DE PALAVRAS?
A Cosmologia e a Física atingiram um ápice no conhecimento, em que toda a base sobre que se fundavam se mostrou inconsistente, como areia movediça. A teoria do "big-bang" considera que o universo, tal como conhecemos, teve início há cerca de treze bilhões de anos, em um momento "zero" no qual toda a matéria estava concentrada em um ponto ínfimo, de densidade infinita. Ao mesmo tempo em que a matéria em tal estado é virtualmente inconcebível, mais incognoscível está qualquer suposição do que existia antes disso. Por outro lado, a Física Quântica chegou no ponto de considerar a matéria primordial como elementos de informação constitutivos, em que massa e movimento nada mais são que números sem substância própriamente, e cujos parâmetros não podem ser estabelecidos independentemente do observador, quebrando-se, deste modo, a dicotomia entre observador e observado.
Se com isto o materialismo perdeu substância sobre que se basear, do mesmo modo o espiritualismo não tem esteio. Se espiritual é qualquer coisa que tem natureza diversa da matéria, como poderíamos definir essa coisa, se não sabemos nem o que é a matéria? Como saber o que é o branco sem conhecer o preto? Se o "ovo" primordial do universo, no momento inicial do "big-bang" era "matéria" em estado absolutamente diverso àquilo que chamamos de "matéria", poderíamos muito bem conceituá-lo como não-matéria - espírito, portanto.
"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas" (Gênesis, 1. 1.2).
A terra era sem forma e vazia (são atributos da matéria, tal como a conhecemos, a forma e a substância). Havia trevas sobre a face do abismo (claro, sem matéria tal como conhecemos, não há emissão de energia, não há luz). O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (tradicionalmente água era a substância primordial, capaz de gerar a vida, e o Espírito de Deus se movia, ou seja, trabalhava nela).
Vista desta forma, a narrativa bíblica em nada se contrapõe à concepção científica. Se entendermos por "Espírito de Deus" aquilo que havia antes da matéria existir tal como a conhecemos, o âmago do "big-bang", não há qualquer diferença entre o que está escrito nos Gênesis e aquilo que os cientistas teorizam.
É preciso nos lembremos da Teoria Especial da Relatividade. Tempo e espaço não são realidades autônomas, elas são produto da matéria, são dimensões decorrentes da própria matéria. Não é que no momento inicial do "big-bang" existia um espaço vazio imenso em volta, aguardando a expansão da matéria. Nem se poderia "aguardar" nada, pois o tempo não corria. Tempo e espaço começaram a existir simultânea e proporcionalmente com a expansão do universo.
O seja, a "substância" que se comprimia em densidade infinita no "ovo" do "big-bang", a chamada "singularidade" (palavra, aliás, que os próprios cientistas dizem ter adotado por falta de outra melhor), estava em uma legítima situação de eternidade. Eterno, ao contrário do que muitos conceituam - no sentido de perpetuidade, imortalidade -, é o estado daquilo que não se submete à condição de tempo e espaço, que não está na dimensão material.
O VERDADEIRO EMBATE: A CONSCIÊNCIA EM SI.
Podemos ver então que a questão não se cinge ao materialismo ou espiritualismo, pois estes são, no momento atual, dois conceitos sem valia para a compreensão da Realidade última. Se o primórdio do universo não era matéria, pode ser tido como "espírito" e, por ter sido a causa de todas as causas, não há motivo para não chamá-lo de "Deus". Aliás, esse elemento primordial não carece de nenhum dos atributos que usualmente aplicamos ao conceito de Deus: é eterno (não se submete ao tempo e ao espaço), é infinito (densidade absoluta), é onipotente (sua expansão gerou tudo que existe).
Penso que a controvérsia está em um ponto específico: este processo está regido por uma Consciência? O Universo começou a se expandir, gerando matéria e sistemas, por um interesse próprio, houve uma Vontade inicial que disse para si-Mesma: "vou me expandir"?
Nós humanos gostamos de crer que a consciência é um atributo exclusivo de nossa espécie. Após milhões de anos, do vazio pétreo e inconsciente, por um processo evolutivo ímpar, surgimos nós, os humanos, reis do universo, únicos seres capazes de ter consciência e vontade. Esta visão é interessante e vantajosa, pois nos dá o direito de dispor de tudo quanto não possui consciência. Históricamente aliás, sempre que alguns humanos queriam dispor de outros, escravizando-os, davam um jeitinho de justificar a coisa, dizendo que os ditos escravos não possuíam alma (em outras palavras, não tinham consciência). Assim fazemos com todos os seres vivos. Como não vemos as vibrações de sofrimento das árvores, as consideramos "inconscientes" e não sentimos culpa por derrubá-las; fazemos ouvidos moucos a mugidos, grunhidos e gritos de animais ditos "inferiores", levamos tais sons na conta de reações vazias (os animais também não têm alma!), e cortamos suas gargantas para nos refastelar com sua carne nutritiva.
Também é interessante e muito vantajoso negar consciência ao Princípio das coisas, tê-lo como um "feliz acaso". Assim podemos justificar nossos próprios sistemas morais e éticos, ou mesmo não ter nenhum sistema, sem ter que nos reportar a ninguém. "Que saco, não posso fazer nada e esse Sujeito fica lá em cima me recriminando!" É melhor mesmo que esse Sujeito não exista, não é?
Mais uma vez a realidade estabelecida o é de acordo com o interesse. Nossa consciência do mundo está de acordo com nossos desejos. Ignoramos a possibilidade de uma Consciência superior, que teria desejado criar o Universo, porque isso nos é conveniente. Mas - quanto esta conveniência está de acordo com a Realidade em si? O que aconteceria ao meu irmão se ele, ignorando a realidade jurídica, vendesse o elefante para alguém? Por certo o governo da África do Sul o poria atrás das grades por dispor de uma propriedade do Estado, que estava sob regime de proteção.
Do mesmo modo, nada obsta ignoremos a realidade de uma Consciência superior. Esta, contudo, por ser superior, não se prejudica com esta nossa ignorância, simplesmente nos arrastará pelo caminho que nos cabe no sistema por ela planejado, esperneemos ou não. Porque não conhece a língua falada na África do Sul, meu irmão sequer saberá porque está preso. E porque ignoramos completamente a Consciência superior, também não saberemos a razão pela qual fomos "arrastados" por caminhos que não queremos.
A CONSCIÊNCIA SUPERIOR - DEUS
Em primeiro lugar é preciso peguemos todas as concepções arcaicas que engavetamos a respeito de Deus, as ponhamos em um saco e as joguemos no lixo. E explico a razão: elas advém de uma história tortuosa, equivocada, em que se misturam indevidamente idéias teológicas legítimas com desvios comportamentais de instituições viciadas, interpretações errôneas que visavam interesses mesquinhos de pessoas e de grupos.
Não está longe a Revolução Francesa, que para se contrapor visceralmente contra a instituição vigente - a Igreja - declarou que Deus não existia e entronou a "Deusa Razão" em Seu lugar. Mas - que é a Razão senão Deus mesmo? Poderia o criador do universo ser irracional? Ideologias diversas se debateram, não sem muitas guerras e muito sangue, nos últimos milênios, em função de interesses pessoais e grupais, tais ideologias nunca foram o objeto primordial de discordância. Um exemplo: Lutero se revoltou contra as ditas "indulgências", pois o ouro saía de seu bolso para engordar os cofres papais. Decidiu então que para chegar a Deus, não precisava dar dinheiro para o Papa, bastava ter a graça de Deus diretamente, e assim ficou com a pecúnia.
O Papa Pio XII, por sua vez, achou por bem ficar quietinho diante das atrocidades cometidas pelo Reich, já que o Vaticano está encravado no coração de Roma, que fica na Itália, e que estava sob o governo de Benito Mussolini, aliado de Hitler. A questão moral não era, afinal, tão importante, poderia esperar um pouquinho.
O que tudo isto tem a ver com Deus? Os homens criam suas querelas minúsculas - perante o Universo são como micróbios lutando por alimento no lodo -, e põem Deus no meio de suas discussões para, de um modo ou de outro, justificarem as próprias atitudes. E Deus "paga o pato". Isto soa tão ridículo que sequer merece qualquer comentário mais aprofundado.
Deus, enquanto Consciência Superior criadora do Universo, não é nenhum conceito absurdo. Muito pelo contrário, digo que indício fidedígno de Sua existência está em nossa própria existência. Se observarmos com atenção as coisas, podemos verificar que nada se desdobra a partir de algo que não existia antes. Não se vê maçã nascendo de bananeiras, nem rios brotando do nada, é preciso existir uma fonte. Pela natureza mesma das coisas, se eu tenho uma consciência - e ela não é ilusão, ela está aqui -, então ela não pode ter vindo de algo diverso. Consciência não é matéria, portanto não pode ter vindo desta. Ela interage com a matéria, mas não é matéria, assim como em um computador se diferenciam hardware e software. Estes interagem, mas não são a mesma coisa. Em informática, o que é perene, o que subsiste na realidade? O programa ou a máquina? Ora, se a máquina se quebra, se a jogamos fora, pegamos o programa e o inserimos em outra. Assim a consciência em interação com a matéria. Simples assim. Contudo, muitos querem forçar o raciocínio e convencer a si mesmos e aos outros, que é possível um computador possa, por si mesmo, gerar consciência. Se pudesse, teria que ter um programa inicial que lhe possibilitasse isso - e criado por uma outra consciência, superior a ele. Mas tente deixar um computador ligado, por bilhões de anos que sejam, e aguarde ele crie consciência por si mesmo, de suas próprias entranhas mecânicas. Acho bom você aguardar esses bilhões de anos deitado em uma rede.
Posto isto, voltemos à dita singularidade do "big-bang". Trata-se de um estado da "matéria", em que sob pressão e densidade infinitos, se restringia em um ponto não submetido nem a tempo nem a espaço (pois não existiam). O que, afinal de contas, "detonou" sua expansão? Se era um ponto sem tempo nem espaço, era eterno por definição. Se não era matéria porque não tinha quaisquer atributos do que chamamos de matéria, tampouco se submetia a causas e efeitos. Estabilizava-se em si mesma infinitamente. Por que razão tal estado de eternidade e equilíbrio em si mesmo, em um dado momento começou a se expandir? Qual a causa se não existiam causas?
Essa singularidade teria dito para si mesma: "Eu quero"?
"E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas." (Gênesis, 1. 3,4).
Eis aqui a única explicação razoável para a coisa, ou seja, a vontade, a determinação. "Eu quero", "eu desejo", uma Consciência que de si mesma e para si mesma gerou a multiplicidade. Eternizava-se no uno da singularidade e resolveu, por vontade própria, expandir-se em múltiplos aspectos. Havia necessidade disso? Era imprescindível? Não. Não há relação necessária, pois não há causa (lembre-se, no seio da singularidade não há tempo nem espaço, portanto não há causas e efeitos, tampouco necessidade).
Por ser potência única geradora de tudo, é mais que tudo, por ser Consciência geradora de todas as consciências, é supra-consciência e as abarca todas. Como é de si mesma e para si mesma, esta Consciência não deseja o próprio mal, portanto é Bem Absoluto. Mal é o que eventualmente se contraponha a Ela, e assim fica apenas enquanto permaneça em contraste - como a sombra decorre de um obstáculo momentâneo à luz.
De Si, em sua expansão infinita, à borda dessa expansão pipocam múltiplas consciências individualizadas - que ao mesmo tempo pertencem à Origem mas têm caráter próprio, como não se confundem os raios luminosos da fonte que os gerou. Somos nós - não só seres humanos, mas todos os seres, vegetais, animais e super-humanos.
AS CONSCIÊNCIAS GERADAS POR DEUS
Tomo a liberdade de tirar proveito da analogia mencionada para dar a compreender o processo de geração das consciências múltiplas a partir de Deus.
Estas são como a borda dos raios luminosos e Deus é a fonte. A fonte luminosa lança seus raios em todas as direções, iluminando, assim, o ambiente. Imaginemos a posição específica da borda de um determinado raio luminoso: está sendo lançada na direção contrária da fonte, e embora faça parte constitucional desta, se defronta com o não-ser, sobre o qual, para o compensar, por ter as mesmas características de Quem a gerou, passa a criar proporcionalmente a seu diminuto poder. Contudo, justamente porque está em situação marginal, em determinado momento esquece-se da Fonte e passa a acreditar que a realidade é apenas aquilo que criou, olvidando tudo aquilo que existe atrás de si. Ora, isto é uma ilusão. Bastaria "olhar para trás" e perceber que faz parte de um Todo maior, que provém de uma Fonte que a gerencia bem como a todas as outras bordas luminosas marginais. Contudo, prefere mergulhar mais e mais na própria fantasia ilusória, como em um brinquedo extremamente fascinante, como uma criança que não deseja parar de brincar.
Como em um jogo, um "game" no qual prendemos a atenção, sofremos ao perder e alegramo-nos quando vencemos. Na fascinação do jogo, enquanto este perdura, a "realidade" é o jogo, ficamos fechados à Realidade externa aos mecanismos do lúdico. E, quando o jogo termina, se ficou alguma insatisfação por termos perdido, se ficou a satisfação de termos ganho, logo desejamos voltar a jogar, ou para ganhar novamente ou para compensar a perda. Viciosamente buscamos revivenciar o jogo. Por isso, nascemos e morremos múltiplas vezes, presas desse jogo, que é a vida "material" própriamente dita. Sómente quando finalmente percebemos que é apenas um jogo, que nada tem esse brinquedo de essencial em nossa constituição, é que voltamos à Realidade plena.
A expansão dessa Fonte é cíclica, ela não joga seus raios para além de si mesma senão para trazê-los de volta e depois lançá-los, novamente. Como o pulsar de um coração vivo, como o refluir das águas, a Fonte chama constantemente para si aqueles que lançou no infinito, que na verdade é Ela mesma. Como existe em si mesma e para si, decidiu que a unicidade não se presta ao exercício do Amor - o qual supõe a multiplicidade. O retorno das multiplas consciências para Si não poderia, contudo, ser obrigatório - pois o Amor deve ser livre, ninguém ama por dever de amar, o amor deve ser uma decisão autônoma da consciência. "Que brinquem", pensa Consigo, "um dia sentirão Minha falta e naturalmente voltarão, de livre e espontânea vontade, para Mim. Enquanto isso, espero. Se querem brincar, que brinquem. Se querem se iludir, até ajudo nessa ilusão, pois não há mal algum nisso - apenas ficarão muito mais tempo entretidas". Apenas não quer que voltem a Ele de má-vontade, por obrigação, quer que voltem por afeto, por amor legítimo.
A BUSCA DE SRI KRISHNA - A MAIS BELA REALIDADE (DE "CIÊNCIA CONFIDENCIAL DE BHAKTI YOGA")
Prossigo postando aqui o texto de CIÊNCIA CONFIDENCIAL DA BHAKTI YOGA, escrito por Sua Divina Graça Srila Bhakti Raksaka Sridhara Deva Goswami Maharaja:
CAPÍTULO DOIS
SANTOS, SAGRADAS ESCRITURAS E GURUS
Os peregrinos têm como propósito escutar as pessoas santas que habitam os lugares sagrados. Segue-se uma conversação entre Srila Sridhara Maharaja e três estudantes europeus, que viajavam pela Índia em busca da verdade.
Srila Sridhara Maharaja: Por que vieram para a Índia?
Estudante: Para peregrinar, viemos visitar os lugares sagrados, como Navadvipa, Vrindavana e Jagannatha Puri. Esta foi a principal razão pela qual viemos à Índia.
Srila Sridhara Maharaja: Com se inteiraram de todas estas coisas? Através de livros?
Estudante: Sim, através dos livros de Srila Prabhupada.
Srila Sridhara Maharaja: Quais livros?
Estudante: O Bhagavad-Gita.
Srila Sridhara Maharaja: Ah! "O Bhagavad-Gita Como Ele É", por Bhaktivedanta Svami Maharaja.
Estudante: Sim.
BHAGAVAD-GITA: "CURA-TE A TI MESMO".
Srila Sridhara Maharaja: Faz muitos anos, um erudito alemão opinou que o Bhagavad-Gita é a literatura espiritual mais elevada. Segundo seu ponto de vista, o Bhagavad-Gita nos aconselha de um modo muito sutil, para que não tentemos retificar o mundo, mas que nos corrijamos para nos adaptar a ele. Esta é a chave do conselho do Bhagavad-Gita: "Cura-se a ti mesmo". Não temos poder para mudar o mundo, isso está estabelecido pela vontade divina. Nosso meio-ambiente, a totalidade das forças que atuam fora de nós são imutáveis. Não temos habilidade para interferir com o mundo; isto seria apenas uma perda inútil de energial, mas podemos mudar a nós mesmos para nos adaptar às circunstâncias externas. Este é o segredo do sucesso na vida ("tat te 'nukampam susamiksamano"). Temos um dever para cumprir, mas não devemos desejar os resultados das nossas atividades; os resultados dependem de Krishna ("karmany evadhikaras te ma phalesu kadacana). Nós constribuímos e, ao mesmo tempo, outros milhares de milhões estão contribuindo, criando o meio-ambiente. Assim, é preciso contribuir com nosso dever, mas o resultado final é disposto pelo Absoluto, temos que aceitá-lo como o melhor. Nossas atividades individuais produzem muitos resultados, mas devemos entender o modo em que a vontade absoluta harmoniza tudo, e em consequência nos adaptar.
Somos apenas responsáveis em desempenhar o nosso dever. Nunca devemos desejar ter um meio-ambiente determinado: o meio-ambiente evoluirá à sua maneira. Não temos o poder para modificá-lo. Mas podemos fazer todo o possível para mudar a nós mesmos e assim poder entrar em harmonia com o mundo.
Jamais nos cabe desfrutar dos resultados de nossa ações. Devemos desanimar porque trabalhamos para um resultado determinado e não o obtemos? Não, devemos prosseguir cumprindo com o nosso dever. Tudo que fazemos deve ser oferecido ao Infinito e Ele moldará os resultados à Sua maneira. Krishna disse: "Nunca desejes que teus atos te proporcionem um resultado concreto. Ao mesmo tempo, não permaneças inativo, não sejas inútil. Continua desempenhando teu dever sem depender de nenhum resultado externo".
Estudante: Temos que lembrar de Krishna enquanto atuamos desse modo?
Srila Sridhara Maharaja: Sim, então poderemos entrar em contato com Krishna e paulatinamente nos daremos conta de que nosso meio-ambiente é amistoso. Quando desaparecem as reações de nossas atividades prévias, entendemos que toda vibração nos anuncia boas-novas. Quando nossa atitude egoísta se desfaz, ficamos envoltos em doces vibrações. Devemos nos desvencilhar de todo o mal que fizermos até agora. Devemos cumprir com nosso dever, sem esperar jamais um resultado definido, mas visando o fruto em favor do Infinito.
DISSOLVENDO O EGO-FALSO
Então chegará o dia em que nosso sentimento egoísta se desvanecerá e em nosso íntimo surgirá, despertando, nosso "eu" real, um membro do mundo infinito, e nos encontraremos em meio às doces frequências desse meio-ambiente. Ali, tudo é doce, a brisa é doce, a água é doce, as árvores são doces; tudo o que encontramos é doce, doce, doce.
O ego interno é nosso inimigo e para dissolvê-lo temos que cumprir com nosso dever, do modo que julgarmos mais conveniente, mas sem esperar nunca uma reação que corresponda àquilo que desejamos. Se adotamos este "karma-yoga", em muito pouco tempo nos daremos conta que o ego-falso, que sempre esperava algo errado, em favor de seus propósitos egoístas, terá desvanecido; o extenso e amplo ego interior terá surgido e estaremos em harmonia com todo o universo. O mundo harmonioso se revelará e a máscara dos desejos egoístas desaparecerá.
A causa do nosso mal não está fora, mas dentro de nós mesmos. Um vaishnava Praramahamsa, um santo do mais elevado nível, considera que tudo está bem e não encontra nada para se queixar. Quando alguém pode perceber que tudo é extremamente doce e prazeiroso, começa a viver no plano da Divindade. Nosso ego-falso produz apenas distúrbios e precisa ser dissolvido. Não deveríamos pensar que o meio-ambiente é nosso inimigo, devemos nos esforçar por perceber a graça divina em tudo que nos acontece, inclusive se isso ou aquilo parece ser um inimigo. Tudo é misericórdia do Senhor, mas não podemos ver isso, vemos justamente o contrário, temos terra nos olhos.
Na verdade tudo é divino: tudo é a graça do Senhor: a enfermidade está em nossos olhos. Estamos doentes e se nos curarmos, perceberemos que estamos em um mundo magnânimo. Só a máscara do desejo nos engana, impede que apreciemos a realidade do mundo. Um estudante genuíno da escola devocional adotará esta atitude em relação ao meio-ambiente e ao Senhor. Devemos ter em conta que a vontade de Deus está em toda a parte, nem mesmo um pedacinho de grama pode se mover sem a sanção da Autoridade Suprema. Ele percebe e controla todos os detalhes. Temos que contemplar o meio-ambiente com otimismo: o pessimismo está em nós. Nosso ego é responsável por todo o tipo de males.
FELICIDADE INFINITA
Isto é vaishnavismo. Se pudermos atuar assim, nossa doença se curará em muito pouco tempo e nos encontraremos submersos na felicidade infinita. Atualmente queremos cuidar daquilo que percebemos fora de nós. Pensamos: "Quero que tudo atue de acordo com meu controle, minha doce vontade. Quando tudo me obedecer, serei feliz". Mas temos que adotar a atitude contrária, como Mahaprabhu disse:
"trnad api sunicena, taror api sahisnuna
amanina manadena, kirnaiyah sada harih"
Siksastaka 3
Não devemos opôr resistência ao meio-ambiente: ao contrário, se algo indesejável se nos apresenta, temos que tolerar com nossa máxima paciência e, inclusive, se alguém nos ataca, não devemos ser violentos, devemos mostrar a mais extrema tolerância. Devemos honrar a todos, mas não devemos buscar a honra.
Deste modo, com rapidez e com a mínima energia gasta, podemos alcançar a meta mais elevada: o plano onde Krishma mesmo vive. Esse é o plano essencial da existência. Nesse momento todos os revestimentos que cobrem a alma se desvanecerão, deixarão de existir; o ego verdadeiro despertará e descubrirá que está nadando em uma doce onda, dançando e se divertindo em Vrindavana, com Krishna e seus devotos. E que é Vrindavana? Não é uma fábula nem um conto. O plano mais amplo e extenso de todo o universo é feito de beleza, doçura e bem-aventurança, e em Vrindavana se encontram estas qualidades em toda sua plenitude. Temos que mergulhar profundamente nesse plano da realidade.
Nosso ego nos coloca à tona da superfície dos problemas, em "maya", a ilusão. A especulação e a busca egoísta de satisfação nos enganou e devem se desintegrar de uma vez por todas. Então surgirão de dentro de nós, nossos egos iluminados e nos daremos conta de que estamos na esfera da dança feliz, com Krishna, em Vrindavana.
AUTODETERMINAÇÃO HEGELIANA
Na linguagem de Hegel isto se chama "autodeterminação". Autodeterminação quer dizer que devemos morrer para viver. Temos que abandonar nossa vida material e todos nossos hábitos materiais. Se desejamos viver na verdade, nosso modo de ser atual terá que morrer. Teremos que renunciar ao nosso ego-falso. No ego-falso se acumulam, em formas sutis, nossos hábitos materiais provenientes de diversos nascimentos, não só a experiência adquirida em nascimentos humanos, mas também em nascimentos animais, nascimentos como árvores e tantos outros nascimentos. Consciência de Krishna significa a dissolução total do ego-falso. Essa figura egoísta e inventada que há dentro de nós é nossa inimiga. O verdadeiro eu está enterrado, sem esperança, sob o ego-falso, tão profundo no abismo de nosso esquecimento, que nem sequer sabemos quem somos. Assim pois, como disse o filósofo alemão Hegel, devemos "morrer para viver".
A realidade existe por si mesma e para si mesma. O mundo não foi criado para nossos fins egoístas; há um propósito universal, do qual somos parte e porção; precisamos nos afinar com o Todo. O Todo Absoluto é Krishna e Ele está dançando, brincando e cantando a seu próprio modo. Temos que entrar nessa dança harmoniosa.
Sendo infinitesimais, deveriamos pensar que podemos controlar o infinito? Que tudo se desenvolverá segundo nossos caprichos? Esta é a idéia mais odiosa e malvada jamais concebida e esta doença nos ataca. Este é o verdadeiro problema da sociedade e nossa busca deveria estar dirigida à sua solução.
Estudante: Isto significa que devemos renunciar por completo à vida material?
Srila Sridhara Maharaja: Não de uma vez. Cada um deve progredir de uma maneira gradual, de acordo com o seu próprio caso. Se alguém que tem muita afinidade pela vida mundana, a abandona de repente, pode não manter seus votos e cair de novo. Por consequência, devemos progredir pouco a pouco, de acordo com nossa capacidade pessoal. Isto deve ser levado em consideração. Mas também devemos estar sempre ansiosos por abandonar tudo e nos dedicar, com exclusividade, ao mais elevado dever. Aqueles que têm suficiente valor saltarão ao desconhecido, pensando: "Krishna me protegerá, estou saltando em nome de Deus. Ele está em todas as partes e me receberá em seu colo". Alguém que está verdadeiramente ansioso por encontrar a verdade, pode saltar com esta idéia.
Estudante: Eu tenho um problema. Durante dez anos tenho tentado seguir este processo. Durante dez anos não comi carne, ovos, nem peixe. Evito as coisas materiais, não tenho atração por elas. Deixei tudo isso para trás, mas há algo que quero, mas não posso deixar: a maconha.
Srila Sridhara Maharaja: Isso é algo minúsculo. Há três verdadeiras dificuldades: a primeira são as mulheres; a segunda, o dinheiro e a terceira, a fama e o prestígio. Estas três são nossas inimigas. A intoxicação com maconha é algo minúsculo, qualquer um pode deixá-la facilmente. Mas equelas três coisas são o desejo de todo animal, árvore, pássaro, homem ou semideus. Estão em todas as partes, mas a intoxicação e outros hábitos passageiros são coisas muito insignificantes, que podem ser vencidas com grande facilidade.
O hábito de nos intoxicar é adquirido pouco a pouco e do mesmo modo, temos que deixá-lo de um modo gradual, não de repente. Pouco depois da Segunda Guera Mundial, lemos nos jornais que Goering, um general da aviação hitleriana, estava habituado a se intoxicar muito. Mas quando foi encerrado no cárcere, não lhe deram intoxicantes. Ele ficou doente, mas o tratamento seguiu seu curso e ele ficou curado. A medicina curou sua doença. Também vemos muitos consumidores de ópio que vieram ao Templo e deixaram seu hábito pouco a pouco.
Muitos supostos "sadhus" fumam maconha. Ajuda a concentração, mas isto se refere à mente material, na verdade perturba a fé; é inimiga da fé. Só a fé pode nos levar à meta desejada, não a intoxicação material. As almas desencaminhadas acreditam que a maconha, o haxixe e tantas outras coisas, podem nos ajudar em nossa meditação. Pode ser que ajudem em alguma coisa, mas isso é material e nos frustará na hora da verdade. Estas coisas não nos podem ajudar para uma elevação efetiva.
O SEXO, A INTOXICAÇÃO E O OURO
O Srimad-Bhagavatam (1.17.38) nos aconselha a rejeitar cinco coisas: "dyutam", o jogo ou a diplomacia; "panam", a intoxicação, incluindo o chá, café, bétel e tudo mais; "striyah", as relações amorosas ilícitas; "suna", a matança de animais; e as transações com ouro. Os negócios com ouro nos tornam desinteressados para com o progresso na linha da fé. Estas cinco coisas são muito tentadoras.
Dizem que o vício da intoxicação nos ajudará na meditação sobre o trancendental. Devarsi Narada disse: "yamadibhir yoga-pathaih kama-lobha-hato muhuh", "inclusive o que adquirimos por meio da meditação é temporal e carece de efeito permanente. Só a verdadeira fé na linha da devoção nos pode ajudar".
SANTOS: ESCRITURAS VIVAS.
Estudante: Então, de que maneira podemos desenvolver fé na Consciência de Krishna?
Srila Sridhara Maharaja: Como formaram um conceito da Consciêcia de Krishna?
Estudante: Lendo o Bhagavad-Gita.
Srila Sridhara Maharaja: O Bhagavad-Gita. A partir das Sagradas Escrituras. E quem as escreveu? Algum santo, ou seja, tanto a associação com os santos como os conselhos das Escrituras são necessários. O santo é a Escritura viva e as Escrituras nos aconselham de um modo passivo. Um santo pode nos aconselhar de uma maneira ativa e, de uma forma passiva podemos receber o benefício das Escrituras. A associação com as Sagradas Escrituras e os santos pode nos ajudar a alcançar a realização mais elevada: "sadhu sastra krpaya haya". Os santos são mais poderosos. Aqueles que vivem a vida recomendada pelas Escrituras são a personificação das mesmas. Em sua associação e por sua graça, podemos nos embeber com esse elevado conhecimento sutil e de fé.
Na busca pelo destino final, todas as nossas experiências são inúteis: só a fé pode nos levar lá. O mundo espiritual está muito, muito além da jurisdicção da nossa limitada experiência auditiva, visual e mental. A experiência dos olhos, dos ouvidos e da mente é muito exígua e limitada, mas a fé pode elevar-se, atravessar esta área e entrar na esfera transcendental.
A fé deve se desenvolver com a ajuda das Escrituras e dos santos, os quais nos ajudam a compreender que o mundo espiritual é real e este mundo material, irreal. Nesse momento este mundo material será para nós a noite e o mundo espiritual será o dia. Agora o mundo eterno é para nós obscuridade e estamos despertos para este mundo mortal. O que é noite para uns é dia para outros. Um santo é consciente de algo e um ladrão está trabalhando em outro nível. Vivem em dois mundos distintos. Um cientista vive em um mundo e um polêmico em outro nível. O dia de um é a noite do outro. As pessoas comuns não podem ver o que Einstein e Newton viram e um grande homem ignora o que vê uma pessoa comum. Assim, temos que despertar nosso interesse pelo plano superior e ignorar os interesses deste mundo material.
A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL: DEIXE QUE ACONTEÇA.
Estudante: Muita gente se preocupa com a guerra nuclear: crêem que pode ocorrer muito em breve.
Srila Sridhara Maharaja: Isso é um ponto em uma linha, uma linha que está em um plano, um plano dentro de um sólido. Tantas vezes as guerras começam e terminam; tantas vezes o Sol, a Terra, os sistemas solares desaparecem e voltam a surgir. Eternamente estamos presos em tal sistema. Esta guerra nuclear é um ponto diminuto. Que importa? Muitos indivíduos morrem a cada momento, a terra morrerá, todo o gênero humano desaparecerá. Deixe que venha.
Devemos buscar viver na eternidade, não em uma porção determinada de tempo ou espaço. Temos que nos preparar para nosso benefício eterno, não para algum remédio temporal. O sol, a lua e todos os planetas, aparecem e se desvanecem; morrem e são criados de novo. Temos que viver nessa eternidade. A religião versa este aspecto de nossa existência, nos diz que contemplemos as coisas sob essa perspectiva: não só este corpo, mas também a raça humana, os animais, as árvores, toda a Terra, inclusive o Sol, todos se desvanecerão e surgirão de novo. Criação, dissolução, criação, dissolução... continuará para sempre no domínio das concepções errôneas. Ao mesmo tempo, há outro mundo que é eterno. A religião pede que entremos ali, que façamos nosso lugar nesse plano superior, no qual não entra as faces da morte, nem se experimenta mudança alguma. No Bhagavad-Gita (8.16) se declara:
"abrahma-bhuvanal lokah, punar avartino 'rjuna
mam upetya tu kaunteya, punar janma na vidyate"
"Inclusive o Senhor Brahma, o mesmo criador, tem que morrer. Até em Brahma-loka, o planeta mais elevado do universo, toda energia material sofre estas mudanças".
Mas se podemos atravessar a região dos conceitos errôneos e entrar na área da compreensão apropriada, então não há criação, nem dissolução. Aquela é eterna e somos filhos dessa terra. Nossos corpos e mentes são filhos desta terra que vai e vem, que é criada e morre. Temos que escapar deste mundo mortal.
ZONA DE NÉCTAR
Se estamos em semelhante lugar, que há por fazer? Trate de escapar, faça todo o possível para sair desta zona de morte. Os santos nos dizem: "Volte para casa, querido amigo, vamos para casa. Por que sofres tanto sem necessidade, em uma terra estranjeira? O mundo espiritual é real; este mundo material é irreal, surgindo e se desvanecendo, aparecendo e desaparecendo. É uma farsa! Do mundo da farsa, devemos ir para o mundo da realidade". Aqui, neste mundo material, não haverá somente uma guerra, mas guerra atrás de guerra, guerra atrás de guerra.
Há uma zona de néctar e na realidade somos filhos desse néctar que não morre ("srnvantu visve amrtasya putrah"). De um modo ou de outro, estamos perdidos aqui, mas na realidade somos filhos dessa terra eterna, onde não há nascimento, nem morte. Temos que nos aproximar dela com um coração amplo, aberto. Isto é o que declaram Sri Caitanya Mahaprabhu, o Bhagavad-Gita, os Upanisads e o Srimad-Bhagavatam: todos confirmam a mesma coisa. Esse é nosso doce, doce lar, e devemos fazer todo o possível para retornar a Deus, para voltar para casa, e levar os outros conosco.
CAPÍTULO DOIS
SANTOS, SAGRADAS ESCRITURAS E GURUS
Os peregrinos têm como propósito escutar as pessoas santas que habitam os lugares sagrados. Segue-se uma conversação entre Srila Sridhara Maharaja e três estudantes europeus, que viajavam pela Índia em busca da verdade.
Srila Sridhara Maharaja: Por que vieram para a Índia?
Estudante: Para peregrinar, viemos visitar os lugares sagrados, como Navadvipa, Vrindavana e Jagannatha Puri. Esta foi a principal razão pela qual viemos à Índia.
Srila Sridhara Maharaja: Com se inteiraram de todas estas coisas? Através de livros?
Estudante: Sim, através dos livros de Srila Prabhupada.
Srila Sridhara Maharaja: Quais livros?
Estudante: O Bhagavad-Gita.
Srila Sridhara Maharaja: Ah! "O Bhagavad-Gita Como Ele É", por Bhaktivedanta Svami Maharaja.
Estudante: Sim.
BHAGAVAD-GITA: "CURA-TE A TI MESMO".
Srila Sridhara Maharaja: Faz muitos anos, um erudito alemão opinou que o Bhagavad-Gita é a literatura espiritual mais elevada. Segundo seu ponto de vista, o Bhagavad-Gita nos aconselha de um modo muito sutil, para que não tentemos retificar o mundo, mas que nos corrijamos para nos adaptar a ele. Esta é a chave do conselho do Bhagavad-Gita: "Cura-se a ti mesmo". Não temos poder para mudar o mundo, isso está estabelecido pela vontade divina. Nosso meio-ambiente, a totalidade das forças que atuam fora de nós são imutáveis. Não temos habilidade para interferir com o mundo; isto seria apenas uma perda inútil de energial, mas podemos mudar a nós mesmos para nos adaptar às circunstâncias externas. Este é o segredo do sucesso na vida ("tat te 'nukampam susamiksamano"). Temos um dever para cumprir, mas não devemos desejar os resultados das nossas atividades; os resultados dependem de Krishna ("karmany evadhikaras te ma phalesu kadacana). Nós constribuímos e, ao mesmo tempo, outros milhares de milhões estão contribuindo, criando o meio-ambiente. Assim, é preciso contribuir com nosso dever, mas o resultado final é disposto pelo Absoluto, temos que aceitá-lo como o melhor. Nossas atividades individuais produzem muitos resultados, mas devemos entender o modo em que a vontade absoluta harmoniza tudo, e em consequência nos adaptar.
Somos apenas responsáveis em desempenhar o nosso dever. Nunca devemos desejar ter um meio-ambiente determinado: o meio-ambiente evoluirá à sua maneira. Não temos o poder para modificá-lo. Mas podemos fazer todo o possível para mudar a nós mesmos e assim poder entrar em harmonia com o mundo.
Jamais nos cabe desfrutar dos resultados de nossa ações. Devemos desanimar porque trabalhamos para um resultado determinado e não o obtemos? Não, devemos prosseguir cumprindo com o nosso dever. Tudo que fazemos deve ser oferecido ao Infinito e Ele moldará os resultados à Sua maneira. Krishna disse: "Nunca desejes que teus atos te proporcionem um resultado concreto. Ao mesmo tempo, não permaneças inativo, não sejas inútil. Continua desempenhando teu dever sem depender de nenhum resultado externo".
Estudante: Temos que lembrar de Krishna enquanto atuamos desse modo?
Srila Sridhara Maharaja: Sim, então poderemos entrar em contato com Krishna e paulatinamente nos daremos conta de que nosso meio-ambiente é amistoso. Quando desaparecem as reações de nossas atividades prévias, entendemos que toda vibração nos anuncia boas-novas. Quando nossa atitude egoísta se desfaz, ficamos envoltos em doces vibrações. Devemos nos desvencilhar de todo o mal que fizermos até agora. Devemos cumprir com nosso dever, sem esperar jamais um resultado definido, mas visando o fruto em favor do Infinito.
DISSOLVENDO O EGO-FALSO
Então chegará o dia em que nosso sentimento egoísta se desvanecerá e em nosso íntimo surgirá, despertando, nosso "eu" real, um membro do mundo infinito, e nos encontraremos em meio às doces frequências desse meio-ambiente. Ali, tudo é doce, a brisa é doce, a água é doce, as árvores são doces; tudo o que encontramos é doce, doce, doce.
O ego interno é nosso inimigo e para dissolvê-lo temos que cumprir com nosso dever, do modo que julgarmos mais conveniente, mas sem esperar nunca uma reação que corresponda àquilo que desejamos. Se adotamos este "karma-yoga", em muito pouco tempo nos daremos conta que o ego-falso, que sempre esperava algo errado, em favor de seus propósitos egoístas, terá desvanecido; o extenso e amplo ego interior terá surgido e estaremos em harmonia com todo o universo. O mundo harmonioso se revelará e a máscara dos desejos egoístas desaparecerá.
A causa do nosso mal não está fora, mas dentro de nós mesmos. Um vaishnava Praramahamsa, um santo do mais elevado nível, considera que tudo está bem e não encontra nada para se queixar. Quando alguém pode perceber que tudo é extremamente doce e prazeiroso, começa a viver no plano da Divindade. Nosso ego-falso produz apenas distúrbios e precisa ser dissolvido. Não deveríamos pensar que o meio-ambiente é nosso inimigo, devemos nos esforçar por perceber a graça divina em tudo que nos acontece, inclusive se isso ou aquilo parece ser um inimigo. Tudo é misericórdia do Senhor, mas não podemos ver isso, vemos justamente o contrário, temos terra nos olhos.
Na verdade tudo é divino: tudo é a graça do Senhor: a enfermidade está em nossos olhos. Estamos doentes e se nos curarmos, perceberemos que estamos em um mundo magnânimo. Só a máscara do desejo nos engana, impede que apreciemos a realidade do mundo. Um estudante genuíno da escola devocional adotará esta atitude em relação ao meio-ambiente e ao Senhor. Devemos ter em conta que a vontade de Deus está em toda a parte, nem mesmo um pedacinho de grama pode se mover sem a sanção da Autoridade Suprema. Ele percebe e controla todos os detalhes. Temos que contemplar o meio-ambiente com otimismo: o pessimismo está em nós. Nosso ego é responsável por todo o tipo de males.
FELICIDADE INFINITA
Isto é vaishnavismo. Se pudermos atuar assim, nossa doença se curará em muito pouco tempo e nos encontraremos submersos na felicidade infinita. Atualmente queremos cuidar daquilo que percebemos fora de nós. Pensamos: "Quero que tudo atue de acordo com meu controle, minha doce vontade. Quando tudo me obedecer, serei feliz". Mas temos que adotar a atitude contrária, como Mahaprabhu disse:
"trnad api sunicena, taror api sahisnuna
amanina manadena, kirnaiyah sada harih"
Siksastaka 3
Não devemos opôr resistência ao meio-ambiente: ao contrário, se algo indesejável se nos apresenta, temos que tolerar com nossa máxima paciência e, inclusive, se alguém nos ataca, não devemos ser violentos, devemos mostrar a mais extrema tolerância. Devemos honrar a todos, mas não devemos buscar a honra.
Deste modo, com rapidez e com a mínima energia gasta, podemos alcançar a meta mais elevada: o plano onde Krishma mesmo vive. Esse é o plano essencial da existência. Nesse momento todos os revestimentos que cobrem a alma se desvanecerão, deixarão de existir; o ego verdadeiro despertará e descubrirá que está nadando em uma doce onda, dançando e se divertindo em Vrindavana, com Krishna e seus devotos. E que é Vrindavana? Não é uma fábula nem um conto. O plano mais amplo e extenso de todo o universo é feito de beleza, doçura e bem-aventurança, e em Vrindavana se encontram estas qualidades em toda sua plenitude. Temos que mergulhar profundamente nesse plano da realidade.
Nosso ego nos coloca à tona da superfície dos problemas, em "maya", a ilusão. A especulação e a busca egoísta de satisfação nos enganou e devem se desintegrar de uma vez por todas. Então surgirão de dentro de nós, nossos egos iluminados e nos daremos conta de que estamos na esfera da dança feliz, com Krishna, em Vrindavana.
AUTODETERMINAÇÃO HEGELIANA
Na linguagem de Hegel isto se chama "autodeterminação". Autodeterminação quer dizer que devemos morrer para viver. Temos que abandonar nossa vida material e todos nossos hábitos materiais. Se desejamos viver na verdade, nosso modo de ser atual terá que morrer. Teremos que renunciar ao nosso ego-falso. No ego-falso se acumulam, em formas sutis, nossos hábitos materiais provenientes de diversos nascimentos, não só a experiência adquirida em nascimentos humanos, mas também em nascimentos animais, nascimentos como árvores e tantos outros nascimentos. Consciência de Krishna significa a dissolução total do ego-falso. Essa figura egoísta e inventada que há dentro de nós é nossa inimiga. O verdadeiro eu está enterrado, sem esperança, sob o ego-falso, tão profundo no abismo de nosso esquecimento, que nem sequer sabemos quem somos. Assim pois, como disse o filósofo alemão Hegel, devemos "morrer para viver".
A realidade existe por si mesma e para si mesma. O mundo não foi criado para nossos fins egoístas; há um propósito universal, do qual somos parte e porção; precisamos nos afinar com o Todo. O Todo Absoluto é Krishna e Ele está dançando, brincando e cantando a seu próprio modo. Temos que entrar nessa dança harmoniosa.
Sendo infinitesimais, deveriamos pensar que podemos controlar o infinito? Que tudo se desenvolverá segundo nossos caprichos? Esta é a idéia mais odiosa e malvada jamais concebida e esta doença nos ataca. Este é o verdadeiro problema da sociedade e nossa busca deveria estar dirigida à sua solução.
Estudante: Isto significa que devemos renunciar por completo à vida material?
Srila Sridhara Maharaja: Não de uma vez. Cada um deve progredir de uma maneira gradual, de acordo com o seu próprio caso. Se alguém que tem muita afinidade pela vida mundana, a abandona de repente, pode não manter seus votos e cair de novo. Por consequência, devemos progredir pouco a pouco, de acordo com nossa capacidade pessoal. Isto deve ser levado em consideração. Mas também devemos estar sempre ansiosos por abandonar tudo e nos dedicar, com exclusividade, ao mais elevado dever. Aqueles que têm suficiente valor saltarão ao desconhecido, pensando: "Krishna me protegerá, estou saltando em nome de Deus. Ele está em todas as partes e me receberá em seu colo". Alguém que está verdadeiramente ansioso por encontrar a verdade, pode saltar com esta idéia.
Estudante: Eu tenho um problema. Durante dez anos tenho tentado seguir este processo. Durante dez anos não comi carne, ovos, nem peixe. Evito as coisas materiais, não tenho atração por elas. Deixei tudo isso para trás, mas há algo que quero, mas não posso deixar: a maconha.
Srila Sridhara Maharaja: Isso é algo minúsculo. Há três verdadeiras dificuldades: a primeira são as mulheres; a segunda, o dinheiro e a terceira, a fama e o prestígio. Estas três são nossas inimigas. A intoxicação com maconha é algo minúsculo, qualquer um pode deixá-la facilmente. Mas equelas três coisas são o desejo de todo animal, árvore, pássaro, homem ou semideus. Estão em todas as partes, mas a intoxicação e outros hábitos passageiros são coisas muito insignificantes, que podem ser vencidas com grande facilidade.
O hábito de nos intoxicar é adquirido pouco a pouco e do mesmo modo, temos que deixá-lo de um modo gradual, não de repente. Pouco depois da Segunda Guera Mundial, lemos nos jornais que Goering, um general da aviação hitleriana, estava habituado a se intoxicar muito. Mas quando foi encerrado no cárcere, não lhe deram intoxicantes. Ele ficou doente, mas o tratamento seguiu seu curso e ele ficou curado. A medicina curou sua doença. Também vemos muitos consumidores de ópio que vieram ao Templo e deixaram seu hábito pouco a pouco.
Muitos supostos "sadhus" fumam maconha. Ajuda a concentração, mas isto se refere à mente material, na verdade perturba a fé; é inimiga da fé. Só a fé pode nos levar à meta desejada, não a intoxicação material. As almas desencaminhadas acreditam que a maconha, o haxixe e tantas outras coisas, podem nos ajudar em nossa meditação. Pode ser que ajudem em alguma coisa, mas isso é material e nos frustará na hora da verdade. Estas coisas não nos podem ajudar para uma elevação efetiva.
O SEXO, A INTOXICAÇÃO E O OURO
O Srimad-Bhagavatam (1.17.38) nos aconselha a rejeitar cinco coisas: "dyutam", o jogo ou a diplomacia; "panam", a intoxicação, incluindo o chá, café, bétel e tudo mais; "striyah", as relações amorosas ilícitas; "suna", a matança de animais; e as transações com ouro. Os negócios com ouro nos tornam desinteressados para com o progresso na linha da fé. Estas cinco coisas são muito tentadoras.
Dizem que o vício da intoxicação nos ajudará na meditação sobre o trancendental. Devarsi Narada disse: "yamadibhir yoga-pathaih kama-lobha-hato muhuh", "inclusive o que adquirimos por meio da meditação é temporal e carece de efeito permanente. Só a verdadeira fé na linha da devoção nos pode ajudar".
SANTOS: ESCRITURAS VIVAS.
Estudante: Então, de que maneira podemos desenvolver fé na Consciência de Krishna?
Srila Sridhara Maharaja: Como formaram um conceito da Consciêcia de Krishna?
Estudante: Lendo o Bhagavad-Gita.
Srila Sridhara Maharaja: O Bhagavad-Gita. A partir das Sagradas Escrituras. E quem as escreveu? Algum santo, ou seja, tanto a associação com os santos como os conselhos das Escrituras são necessários. O santo é a Escritura viva e as Escrituras nos aconselham de um modo passivo. Um santo pode nos aconselhar de uma maneira ativa e, de uma forma passiva podemos receber o benefício das Escrituras. A associação com as Sagradas Escrituras e os santos pode nos ajudar a alcançar a realização mais elevada: "sadhu sastra krpaya haya". Os santos são mais poderosos. Aqueles que vivem a vida recomendada pelas Escrituras são a personificação das mesmas. Em sua associação e por sua graça, podemos nos embeber com esse elevado conhecimento sutil e de fé.
Na busca pelo destino final, todas as nossas experiências são inúteis: só a fé pode nos levar lá. O mundo espiritual está muito, muito além da jurisdicção da nossa limitada experiência auditiva, visual e mental. A experiência dos olhos, dos ouvidos e da mente é muito exígua e limitada, mas a fé pode elevar-se, atravessar esta área e entrar na esfera transcendental.
A fé deve se desenvolver com a ajuda das Escrituras e dos santos, os quais nos ajudam a compreender que o mundo espiritual é real e este mundo material, irreal. Nesse momento este mundo material será para nós a noite e o mundo espiritual será o dia. Agora o mundo eterno é para nós obscuridade e estamos despertos para este mundo mortal. O que é noite para uns é dia para outros. Um santo é consciente de algo e um ladrão está trabalhando em outro nível. Vivem em dois mundos distintos. Um cientista vive em um mundo e um polêmico em outro nível. O dia de um é a noite do outro. As pessoas comuns não podem ver o que Einstein e Newton viram e um grande homem ignora o que vê uma pessoa comum. Assim, temos que despertar nosso interesse pelo plano superior e ignorar os interesses deste mundo material.
A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL: DEIXE QUE ACONTEÇA.
Estudante: Muita gente se preocupa com a guerra nuclear: crêem que pode ocorrer muito em breve.
Srila Sridhara Maharaja: Isso é um ponto em uma linha, uma linha que está em um plano, um plano dentro de um sólido. Tantas vezes as guerras começam e terminam; tantas vezes o Sol, a Terra, os sistemas solares desaparecem e voltam a surgir. Eternamente estamos presos em tal sistema. Esta guerra nuclear é um ponto diminuto. Que importa? Muitos indivíduos morrem a cada momento, a terra morrerá, todo o gênero humano desaparecerá. Deixe que venha.
Devemos buscar viver na eternidade, não em uma porção determinada de tempo ou espaço. Temos que nos preparar para nosso benefício eterno, não para algum remédio temporal. O sol, a lua e todos os planetas, aparecem e se desvanecem; morrem e são criados de novo. Temos que viver nessa eternidade. A religião versa este aspecto de nossa existência, nos diz que contemplemos as coisas sob essa perspectiva: não só este corpo, mas também a raça humana, os animais, as árvores, toda a Terra, inclusive o Sol, todos se desvanecerão e surgirão de novo. Criação, dissolução, criação, dissolução... continuará para sempre no domínio das concepções errôneas. Ao mesmo tempo, há outro mundo que é eterno. A religião pede que entremos ali, que façamos nosso lugar nesse plano superior, no qual não entra as faces da morte, nem se experimenta mudança alguma. No Bhagavad-Gita (8.16) se declara:
"abrahma-bhuvanal lokah, punar avartino 'rjuna
mam upetya tu kaunteya, punar janma na vidyate"
"Inclusive o Senhor Brahma, o mesmo criador, tem que morrer. Até em Brahma-loka, o planeta mais elevado do universo, toda energia material sofre estas mudanças".
Mas se podemos atravessar a região dos conceitos errôneos e entrar na área da compreensão apropriada, então não há criação, nem dissolução. Aquela é eterna e somos filhos dessa terra. Nossos corpos e mentes são filhos desta terra que vai e vem, que é criada e morre. Temos que escapar deste mundo mortal.
ZONA DE NÉCTAR
Se estamos em semelhante lugar, que há por fazer? Trate de escapar, faça todo o possível para sair desta zona de morte. Os santos nos dizem: "Volte para casa, querido amigo, vamos para casa. Por que sofres tanto sem necessidade, em uma terra estranjeira? O mundo espiritual é real; este mundo material é irreal, surgindo e se desvanecendo, aparecendo e desaparecendo. É uma farsa! Do mundo da farsa, devemos ir para o mundo da realidade". Aqui, neste mundo material, não haverá somente uma guerra, mas guerra atrás de guerra, guerra atrás de guerra.
Há uma zona de néctar e na realidade somos filhos desse néctar que não morre ("srnvantu visve amrtasya putrah"). De um modo ou de outro, estamos perdidos aqui, mas na realidade somos filhos dessa terra eterna, onde não há nascimento, nem morte. Temos que nos aproximar dela com um coração amplo, aberto. Isto é o que declaram Sri Caitanya Mahaprabhu, o Bhagavad-Gita, os Upanisads e o Srimad-Bhagavatam: todos confirmam a mesma coisa. Esse é nosso doce, doce lar, e devemos fazer todo o possível para retornar a Deus, para voltar para casa, e levar os outros conosco.
Transtorno Dissociativo de Personalidade (mediunidade agora mudou de nome)
Eu já tinha visto o assunto em um documentário na televisão e, agora, uma semana depois, li um artigo a respeito em uma edição especial da revista Super-Interessante. Trata-se de uma novíssima classificação de doença mental denominada Transtorno Dissociativo de Personalidade. Os psiquiatras fizeram o enquadramento e dizem que o conhecimento a respeito das causas é mínimo (supõem tratar-se de consequências de eventos traumáticos na infância).
O tal de TDP (abreviado assim fica mais bonitinho, cientificamente aceitável), é um transtorno mental consistente em múltiplas personalidades: o coitado do maluco possuiria várias personalidades que se alternariam. De repente o João manifestaria a Mariazinha e o Jacó, e depois disso o João não se lembra de nada do que aconteceu. Por ter sido classificado como transtorno mental, os psiquiatras estão com a liberdade de entupir os pacientes que assim se manifestam com remédios, conforme a gravidade do caso interná-los - e, claro, juridicamente será possível tê-los como incapazes, a família poderá declará-los como tais e açambarcar seus bens, enquanto, devidamente metidos em uma camisa de força, ficarão em um hospício, aguardando uma cura que jamais virá.
Há muitos malucos desse tipo, que repentinamente manifestam "outras personalidades". Há bem pouco tempo ainda se aventava a hipótese espírita, o infeliz era designado de médium e frequentava sessões de desobsessão. Estudava a doutrina espírita, aprendia a dominar essas "múltiplas personalidades' impondo-lhes uma disciplina e, em sessões determinadas, trazia mensagens de supostos falecidos para a felicidade das pessoas. E continuava vivendo normalmente, sem maiores problemas.
Mas isso é bobagem, não é mesmo? Onde já se viu acreditar em manifestação des espíritos, já que a matéria é tudo e depois da morte não há nada? Quem manifesta múltiplas personalidades não é médium, isso é pura fantasia, a Ciência já desvendou esse mistério, pôs uma etiqueta (TDP) e deu o veredicto: quem apresenta tais sintomas é apenas um doidão que precisa de tratamento psiquiátrico e nada mais.
E assim vamos caminhando em nossa civilização ocidental esclarecida. Enquanto os Shopping Centers estiverem entupidos de gente, os MacDonalds estiverem vendendo bastante hambúrgures, a Coca-Cola estiver vendendo litros e litros daquele xarope misterioso, o mundo estará a salvo.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
A BUSCA DE SRI KRISHNA - A MAIS BELA REALIDADE (DE "CIÊNCIA CONFIDENCIAL DE BHAKTI YOGA")
Prossigo postando o texto de "Ciência Confidencial de Bhakti Yoga, de Sua Divina Graça Srila Bhakti Raksaka Sridhara Deva Goswami Maharaja:
CAPÍTULO UM
CONSCIÊNCIA DE KRISHNA:
AMOR E BELEZA
No início do século vinte, o poeta bengali Hemacandra escreveu: "Existem tantos países que estão se destacando: este, aquele... Japão é um país muito pequeno, mas está despontando como o sol. Só a Índia está sob o eterno sono". Quando mencionou a outra parte do mundo, disse: "A América ascende vigorosamente como se fosse tragar o mundo: algumas vezes brada como em som de guerra e o mundo inteiro treme. Seu entusiasmo é tão grande e intenso, que parece querer arrebatar o mundo do sistema solar e lhe dar novo molde, uma nova forma". Assim é como Hemacandra se referiu à América. Da mesma maneira, Bhaktivedanta Svami Maharaja quis dar ao mundo uma nova forma, através da Consciência de Krishna. Em uma ocasião, ele disse: "Devemos ir lá e construí-lo de novo, com Consciência de Krishna".
Que é consciência de Krishna? Consciência de Krishna quer dizer verdadeiro amor e beleza. O verdadeiro amor e a verdadeira beleza devem predominar, não o egoísmo e a exploração. Em geral, sempre que vemos beleza, pensamos que devemos explorá-la, mas na realidade ela é a exploradora, a beleza é a dona, a beleza é a controladora.
Que é amor? Amor significa sacrificar-se por outros. Não deveríamos crer que podemos explorar o sacrifício. Quem é o destinatário do sacrifício? Somos nós? Não. Pertencemos ao grupo dos que se sacrificam, ao grupo negativo predominado, ao grupo Mahabhava. O Sacrifício é o princípio fundamental do amor, mas sacrifício por quem? Quem é o beneficiário? O amor é o beneficiário. Todos têm que contribuir para o Centro, mas nada deve extrair energia dEle. "Morrer para viver", com este espírito devemos cooperar e trabalhar com o verdadeiro amor e a verdadeira beleza.
O ESTANDARTE DO AMOR
E a beleza sairá vitoriosa em todo o mundo. O amor vencerá em todo o mundo. Sacrificaremos tudo para assegurarmos que o estandarte do amor divino tremule, por onde quer que uma partícula desse amor possa distribuir e manter a paz, em todas as direções. Assim como os combatentes dedicam tudo e oferecem a vida para que seus compatriotas se beneficiem no futuro, nós devemos sacrificar nossas vidas e trabalhar para dar a todos a paz verdadeira.
Em Vrindavana, a terra de Krishna, o nível de sacrifício é ilimitado. Os devotos estão dispostos a arriscar tudo por Krishna. Se esse princípio de sacrifício é estabelecido, a paz faz sua aparição automáticamente.
A Consciência de Krishna deve ser posta acima de todos os outros conceitos. Todos os outros conceitos devem estar subordinados à Consciência de Krishna. O ideal de Vrindavana, a morada de Krishna, está acima dos demais ideais. No teísmo comparado, o conceito dos passatempos de Sri Caitanya Mahaprabhu é superior a todos os demais. Ali o teísmo alcança seu zênite. Esta é nossa meta mais elevada e, paulatinamente, esta deve ser exposta, meditada, aceita e propagada.
FALÁCIA CIENTÍFICA
Sem isto, que tipo de benefício estão esperando de suas atuais ocupações? Só a morte lhes espera. Vangloriam-se tanto e estão tão orgulhosos desta civilização científica, mas a morte, automática e naturalmente os está esperando. Não podem vencer a morte. Um poeta inglês escreveu:
"Os alardes da aristocracia, a pompa do poder e toda a beleza,
tudo o que a riqueza alguma vez outorgou, esperam igualmente a hora inevitável.
Os caminhos da glória não conduzem senão à tumba"
Thomas Gray - "Elegia em um cemitério rural"
Não se preocupam por resolver o perigo mais importante, dizem que são grandes pensadores, grandes homens, e que merecem o respeito da sociedade, mas aqui o problema geral e inevitável para todos é a morte. Qual é sua contribuição para resolver o perigo mais grave, que está esperando para devorar a todos, sejam cientistas, insetos ou vírus? Qual é sua solução para a morte? Deram algum passo para solucionar esse perigo universal? O que agora fazem é explorar e como reação estão atraindo uma vida inferior. Exploram a natureza e todos aqueles que estão desfrutando os benefícios terão que pagar até o último centavo.
"Toda ação produz uma reação igual e contrária". É o que dizem, mas o que fazem para resolver? Estão pondo o destino do mundo em risco com suas fascinantes propostas de aparente comodidade. Que é isso? Estão escondendo o perigo mais grave e inevitável e sua vida resulta em um trabalho negativo, inútil. Em certo sentido são traidores da sociedade. Venham de maneira útil, enfrentem e resolvam o verdadeiro problema, o problema mais comum e perigoso. Não sendo assim, abandonem o campo de batalha, vão embora, deixe-nos e provaremos que o mundo é uma morada de felicidade perfeita: "visvam purna sukhayate".
SUBMERGINDO NA REALIDADE
Mas, para compreender isto, vocês precisam submergir profundamente, não no plano do corpo e da mente, mas no plano da alma. Vocês têm que submergir completamente na realidade que há em cada um. Não é algo que se adquire de fora, por empréstimo, pois a alma está dentro de todos, inclusive nos insetos e árvores. Assim, pois, vocês têm que se elevar ao nível da alma. Desfazer-se de seus revestimentos físicos e mentais e encontrarem seu próprio ser. Ali acharão a chave, a pista para o mundo verdadeiro, onde vale a pena viver a vida.
A solução está ali: até certo ponto muitos Mahajana, grandes santos de todas as vertentes religiosas, têm dado indicações, mas nós afirmamos que no Bhagavad-Gita e no Srimad-Bhagavatam, a Índia mostrou o conceito mais elevado do mundo espiritual. Nele nos detemos, não somos sonhadores, somos pensadores muito práticos. Não evitamos nenhum problema dizendo: "Oh, não tem solução!" Não pertencemos ao grupo que quer obter fama e prestígio fáceis. Não queremos nos comparar a esses enganadores. Venham, e averiguem se podem encontrar o plano da realidade. Não se pede que empenhem mais enegia que tenham, apenas que aceitem nosso programa: provem e verão.
Onde estamos? Quem somos? Qual é a verdadeira natureza do mundo? No Corão, na Bíblia e nos Vedas e em todas as demais Escrituras há esperanças e indicações sobre a vida real. É tudo isso uma fraude? Que alívio oferecem os materialistas? Esse alívio é somente para os que enganam a si próprios e os está arrastando ao país do empréstimo e da dívida, ao país onde "toda a ação produz uma reação igual e contrária". Devemos disseminar um a civilização divina neste plano, temos que provar o caminho que foi sugeridos pelos grandes santos e pelas Escrituras. Não é algo irracional, não é uma loucura. Venham, aqui também pode se aplicar a razão.
Sri Caitanya Mahaprabhu, com um exemplo alegórico, ofereceu uma solução para todos nossos problemas. Ele disse: "Vemos que é pobre, mas há uma solução satisfatória. Sua riqueza está enterrada no chão da sua casa e tudo o que tem que fazer é desenterrá-la. Não se aproxime dela pelo sul, com o método do karma, "dá-me e toma", pois então tudo o que fizer lhe causará alguma reação, que o atrapalhará e perturbará, e não terá tempo para alcançar a solução apropriada. Se se aproximar desse tesouro escondido pelo lado oeste, através do sistema de yoga, manipulando as forças sutis da natureza para obter poderes místicos sobrenaturais, eles o enfeitiçarão e desviarão sua atenção da meta desejada. Sua própria atividade na direção equivocada impedirá tua realização"
O FANTASMA DO SAMADHI
"Se com a ajuda de lógica Vedanta mal interpretada, se aproximar do tesouro pelo norte, através do grande 'brahmasmi", o conceito impersonal, então estará em samadhi eterno. Esse grande fantasma o tragará, sua existência se desvanecerá e quem chegará a desfrutar a paz que se obtém ao achar a riqueza? Só se aproxime desta com a ajuda da devoção, assim conseguirá alcançá-la facilmente. Essa é a direção da saída do sol, a direção de onde procede a luz. Essa luz não é preparada pelas suas próprias mãos, essa luz provém da fonte de toda luz, a verdade revelada, é envida de um lugar que desconhecemos. Essa luz é o conhecimento revelado, "bhakti", o caminho da devoção."
Adote esse caminho em sua busca da verdadeira riqueza, que existe dentro de você, e lhe será fácil encontrar seu próprio ser, que é muito maravilhoso ("ascaryavat pasyati kascid enam"). Ao descobrir que seu próprio eu é tão maravilhoso, ficará envergonhado pensando: "Como pude ter sido arrastado pelo encanto deste mundo material? Eu sou alma. Como pôde "maya" exercer sobre mim um poder tão feiticeiro, que meu próprio ser, tão valioso e maravilhoso, foi atraído pela ilusão? Os maiores espiritualistas veneram muito a paz que existe dentro de mim, mas mantenho-me em contato com coisas mortais, repugnantes e putrefatas. Como? É assombroso, mas fui enganado".
Assim, pois, da alma à Superalma, de Vasudeva a Narayana e de Narayana a Krishna, a compreensão progressiva na realização de Deus não é pouco científica: é realmente científica, é vijñana, conhecimento científico.
"jñanam te' ham sa-vijñanam, idam vaksyamy aésatah
yaj jñatva neha bhuyo 'nyaj, jñatavyam avasisyate"
No Bhagavad-Gita (7.2) Krishna disse: "Arjuna, agora te explicarei o conhecimento científico, não só sobre a alma mas também de sua potência. A mente, os sentidos e as modalidades da natureza são não-atma, materiais. Há um enfoque direto e indireto da realidade, que agora te explicarei. Por favor, escuta-me com atenção: "jñanam te 'ham sa vijñanam" O que é isto? Eu existo e Minha potência, e a "jiva", a entidade viva, é a potência marginal que preenche todos estes mundo materiais". Se a "jiva-sakti", a potência espiritual fosse retirada, tudo seria pedra. Nesse caso, quem se interessaria por explorar? Se a potência marginal, a "jiva", fosse separada da matéria, toda a agressividade, toda a tendência para a exploração terminaria, tudo morreria. A alma penetra a matéria de consciência e a converte em algo móvel. Vocês devem compreender isto de forma apropriada, de um modo científico. Não nos falta capacidade para lhes oferecer uma explicação científica.
DO AUTO-ENGANO À REALIDADE
Aqui há um conceito mais elevado do mundo superior. Esse mundo é real e o lugar onde se esforçam ao máximo para se estebelecer, o lugar que consideram real, é irreal.
"ya nisa sarva-bhutanam, tasyam jagarti samyami
yasyam jagrati bhutani, sa nisa pasyato muneh"
Bhagavad-Gita 2.69
"Estás dormindo no que se refere ao teu verdadeiro interesse e a verdadeira realidade, enquanto estás desperto no plano do auto-engano". Precisamos nos fixar no plano da realidade e fazer todo o possível para transmiti-lo para os outros.
Pregar significa o seguinte: "Eu tenho sincera fé na Consciência de Krishna e a sinto ao máximo. Vejo que aqui está também meu futuro, pois é muito prazerosa, útil e saudável, venho entregá-la a vocês, meus amigos. Devemos orientar nossas vidas de acordo com os princípios da Consciência de Krishna, tal como nos ensina o Mestre Espiritual. Aceitem-na e terão a sorte de alcançar a meta de suas vidas".
RASA: ÊXTASE E FELICIDADE
Assim temos que aproximar todos à Consciência de Deus, à Consciência de Krishna. Devemos mostrar que a Consciência de Deus, em última instância, se fundamente na Consciência de Krishna. Temos que mostrar com destreza, passo a passo, que Krishna é o depósito de todo prazer ("akhila rasamrta murtih"). Que é Consciência de Krishna? Rupa Gosvami deu uma definição científica. Não podemos evitar a "rasa", prazer. Todos buscamos "rasa": todo mundo, toda partícula, incluindo a menor partícula do universo, está sempre suspirando por "rasa", felicidade, êxtrase, e todas as fases possíveis de "rasa" estão personificadas em Krishna. Entendam como funciona. Que é "rasa"? Qual a sua natureza? Como se pode estabelecer uma comparação com ela? Desta maneira, passo a passo, chegarão ao conceito Krishna de Deus. Não é uma fábula das antigas Escrituras da Índia. Krishna não é uma fábula, mas um fato. Precisam sair à luz e enfrentar esse fato vivo, a essa realidade. Faremos todo o possível para lhes mostrar que Ele é um fato, Krishna é um fato, uma realidade, uma realidade que existe para si mesma.
Precisam pagar para chegar à meta, devem "morrer para viver" e desta forma perceberão que não é um engano. Perceberão quando progredirem ao longo do caminho ("bhakti paraktir anyatra ca"). Com cada passo adiante experimentarão três coisas: satisfação, sustento e erradicação da fome. Seus anseios em geral diminuirão. Em geral pensamos: "Quero isto, quero aquilo, quero tudo: mas ainda assim, não sacio minha fome". "Sentirão que sua fome se apazigua à medida que progridem na Consciência de Krishna e as coisas que consideravam que os aliviavam, serão abandonadas automáticamente. Seu comércio cessará, tudo se retirará. Sua tendência natural ao avanço espiritual aumentará de um modo espontâneo e verão como seu progresso se faz mais rápido. Poderão experimentar estas três coisas na prática. Venham e aceitem o que dizemos". Assim, temos que nos aproximar de todos, desejando os resultados para o Senhor.
O PROPRIETÁRIO DOS FRUTOS
Somos apenas agentes e estamos trabalhando porque Ele nos ordenou. Devemos lembrar o que é "bhakti", o que é verdadeira devoção. O resultado, qualquer que seja, não deve vir a mim, pois não sou mais que um agente. O benefício deve ir ao proprietário, ao meu Amo, Krishna. Temos que atuar com esta idéia e isso será verdadeiro "bhakti". Não sendo assim, estaremos ocupados em "karma-kanda": À caça ao fruto. Quero desfrutar do benefício do "karma" por minha conta, mas esse resultado deve ir a meu Amo. Eu sou Seu servidor e trabalho seguindo Suas ordens. Eu sou Seu escravo, não o Amo. Por isso não sou a pessoa apropriada para ser o destinatário dos frutos da energia. O dono da energia é o Senhor Supremo e todos os frutos oriundos da mesma devem ir a Ele, sem que pelo caminho haja interferência alguma. Esta deve ser a atitude de todo trabalhador e isso será "bhakti" autêntico, não somos os destinatários. Ele é o destinatário. Sempre devermos ser conscientes que Ele é o único beneficiário. Só então somos devotos; não somos os beneficiários, apenas trabalhadores desinteressados. Se diz no Bhagavad-Gita (2.47):
"karmany evadhikaras te, ma phalesu kadacana
ma karma-phala-hetur bhur, ma te sango 'stv akarmani"
"Tens direito a desempenhar teu dever prescito, mas não a desfrutar dos resultados de teu trabalho". Esta é uma grande advertência. Krishna disse: "Não penses jamais que por não seres o beneficiário dos frutos de teus atos, não tens por que não se esforçar". Pensar: "Não vou trabalhar por que não sou o beneficiário" é a maldição mais atroz. Inclusive as atividades dessinteressadas pertencem a uma categoria inferior. Devemos executar atividades piedosas para a satisfação do Senhor Supremo. Isto é "bhakti" ou devoção e em "bhakti" também há uma gradação: Há uma grande divisão entre "vidhi-bhakti" e "raga-bhakti", devoção calculista e devoção espontânea.
AUTÓCRATA, DÉSPOTA E MENTIROSO
Deus não é um rei constitucional, mas um autócrata. Trabalhar para um autócrata é o conceito mais elevado de sacrifício. Que grau de desinteresse e valor se necessita para trabalhar para um autócrata, um déspota, um mentiroso que trama qualquer coisa? Não só isso: tal é Sua posição normal. Não é um temperamento passageiro, mas sua natureza interior eterna. Krisna é um autócrata devido à sua própria Lei. Um autócrata está acima da Lei. A lei faz falta quando são muitos, não quando há um apenas. Krishna é um déspota, mas ao mesmo tempo é o Bem Absoluto. O mundo sairia perdendo se Seu despotismo fosse restringido. A bondade precisa fluir plenamente. Isso está errado? Pode haver alguma objeção? A bondade deve ter a liberdade de fluir por todo lugar. Se dizemos que Deus é o bem absoluto, o que perdemos então, aceitando a Sua autocracia? Deve a autocracia estar com os nécios e ignorantes? Não, o Bem Absoluto deve possuir autocracia plena: se a lei atasse as Suas mãos, sairíamos perdendo. A fim de nos atrair, Krishna mente, pois não podemos compreender toda a verdade. Krishna é um mentiroso, para que sejamos atraídos, pouco a pouco, até Ele.
Antes de mais nada devemos compreender que Krishna é apenas bondade e, em consequência, tudo que emana dEle tem que ser bom. Se há algum defeito, está em nós, somos usurpadores: Ele não é um usurpador, porém exibe isso como sua "lila", Seu jogo. Tudo Lhe pertence, por isso não há falsidade. Ele disse: "Faça-se a luz" e a luz se fez. "Faça-se a água" e houve água. Como pode haver falsidade nEle, se possui semelhante potencial?
Temos que nos sacrificar por Krishna, porque Ele é o amor, a beleza e a bondade absolutos. É preciso fé e desinteresse a um grau altíssimo. Se aceitamos Consciência de Krishna como nosso ideal mais elevado, temos que nos sacrificar muito: mas o sacrifício significa vida: "Morrer para viver". Não há perda no sacrifício, pois entregando-nos, só podemos ganhar.
Assim, pois, o "kirtana", a pregação, é aceita como o meio para chegar ao fim. Há muitos métodos pelos quais podemos nos aproximar com "kirtana" às almas deste mundo: de pessoa a pessoa, através de livros e executando "sankirtana", cantando o Santo Nome em congregação. Ajudando aos outros, ajudaremos a nós mesmos; aumentamos a nossa sorte e a nossa fé. Nossos atos de "kirtan" visam o benefícios somente dos outros, mas nós também nos beneficiaremos eternamente.
VAZIO ETERNO
Krishna diz no Bhagavad=Gita (2.47): "Nunca deixes de cumprir o teu dever ("ma te sango 'stv skarmani"). Vais deixar de trabalhar porque te pedem que o faças para Mim? Não te submetas a essa reação dolorosa, pois então estarás perdido. Não detenhas o trabalho para ir descansar. Não, isso é um vazio perigoso. Não saltes para esse vazio eterno, trabalha para Mim e prosperarás". Krishna também diz: "Abandona todo tipo de dever e rende-te a Mim ("sarva dharman-parityajya mam ekam saranam vraja"). Esta é Minha posição: Eu sou tudo para ti, teu guardião, teu amigo. Em Mim encontrarás a meta de tua vida. Crê nisso, Arjuna, não vou te enganar, és meu amigo, podes estar certo".
"man mana bhava mad-bhakto, mad-yaji mam namaskuru
mam-e vaisyasi satyam te, pratijane priyo 'si me"
"Medita sempre em Mim e torna-te Meu devoto, adora-me e inclina-te ante Mim. Deste modo certamente virás a Mim. Meu querido amigo, eu te prometo sob juramento, estou te dizendo a verdade. Eu sou tudo. Busque vir a Mim; Eu sou a meta, a realização da vida, não só para Ti como também para todos. Esta é Minha posição considerada de um modo absoluto. Tu és Meu amigo, não te enganarei. Podes crer em Mim. Prometo que é assim"
Krishna se expressa desta maneira franca, para nosso benefício. Ele veio para suplicar assim, por Si mesmo. E para nossa orientação, isso foi registrado no Bhagavad-Gita. Para pregar a respeito de Si mesmo, o Senhor Krishna veio como Sri Caitanya Mahaprabhu, como Seu próprio representante, acompanhado de Seus associados eternos, inclusive trouxe com Ele Srimati Radharani, a devoção personificada, dizendo: "Mostrarei a vocês quão encantadora é vossa posição em Meu serviço, quão digna e bela é a devoção de minha outra metade. Venham comigo!" E Baladeva veio como Nityananda para pregar, bem como Vrndavana veio para se dar a conhecer em Navadvipa. Por isso estamos
muito endividados, especialmente porque Krishna mesmo veio para pregar e mostrar quão sacrificado, belo e magnânimo é o amor divino.
CAPÍTULO UM
CONSCIÊNCIA DE KRISHNA:
AMOR E BELEZA
No início do século vinte, o poeta bengali Hemacandra escreveu: "Existem tantos países que estão se destacando: este, aquele... Japão é um país muito pequeno, mas está despontando como o sol. Só a Índia está sob o eterno sono". Quando mencionou a outra parte do mundo, disse: "A América ascende vigorosamente como se fosse tragar o mundo: algumas vezes brada como em som de guerra e o mundo inteiro treme. Seu entusiasmo é tão grande e intenso, que parece querer arrebatar o mundo do sistema solar e lhe dar novo molde, uma nova forma". Assim é como Hemacandra se referiu à América. Da mesma maneira, Bhaktivedanta Svami Maharaja quis dar ao mundo uma nova forma, através da Consciência de Krishna. Em uma ocasião, ele disse: "Devemos ir lá e construí-lo de novo, com Consciência de Krishna".
Que é consciência de Krishna? Consciência de Krishna quer dizer verdadeiro amor e beleza. O verdadeiro amor e a verdadeira beleza devem predominar, não o egoísmo e a exploração. Em geral, sempre que vemos beleza, pensamos que devemos explorá-la, mas na realidade ela é a exploradora, a beleza é a dona, a beleza é a controladora.
Que é amor? Amor significa sacrificar-se por outros. Não deveríamos crer que podemos explorar o sacrifício. Quem é o destinatário do sacrifício? Somos nós? Não. Pertencemos ao grupo dos que se sacrificam, ao grupo negativo predominado, ao grupo Mahabhava. O Sacrifício é o princípio fundamental do amor, mas sacrifício por quem? Quem é o beneficiário? O amor é o beneficiário. Todos têm que contribuir para o Centro, mas nada deve extrair energia dEle. "Morrer para viver", com este espírito devemos cooperar e trabalhar com o verdadeiro amor e a verdadeira beleza.
O ESTANDARTE DO AMOR
E a beleza sairá vitoriosa em todo o mundo. O amor vencerá em todo o mundo. Sacrificaremos tudo para assegurarmos que o estandarte do amor divino tremule, por onde quer que uma partícula desse amor possa distribuir e manter a paz, em todas as direções. Assim como os combatentes dedicam tudo e oferecem a vida para que seus compatriotas se beneficiem no futuro, nós devemos sacrificar nossas vidas e trabalhar para dar a todos a paz verdadeira.
Em Vrindavana, a terra de Krishna, o nível de sacrifício é ilimitado. Os devotos estão dispostos a arriscar tudo por Krishna. Se esse princípio de sacrifício é estabelecido, a paz faz sua aparição automáticamente.
A Consciência de Krishna deve ser posta acima de todos os outros conceitos. Todos os outros conceitos devem estar subordinados à Consciência de Krishna. O ideal de Vrindavana, a morada de Krishna, está acima dos demais ideais. No teísmo comparado, o conceito dos passatempos de Sri Caitanya Mahaprabhu é superior a todos os demais. Ali o teísmo alcança seu zênite. Esta é nossa meta mais elevada e, paulatinamente, esta deve ser exposta, meditada, aceita e propagada.
FALÁCIA CIENTÍFICA
Sem isto, que tipo de benefício estão esperando de suas atuais ocupações? Só a morte lhes espera. Vangloriam-se tanto e estão tão orgulhosos desta civilização científica, mas a morte, automática e naturalmente os está esperando. Não podem vencer a morte. Um poeta inglês escreveu:
"Os alardes da aristocracia, a pompa do poder e toda a beleza,
tudo o que a riqueza alguma vez outorgou, esperam igualmente a hora inevitável.
Os caminhos da glória não conduzem senão à tumba"
Thomas Gray - "Elegia em um cemitério rural"
Não se preocupam por resolver o perigo mais importante, dizem que são grandes pensadores, grandes homens, e que merecem o respeito da sociedade, mas aqui o problema geral e inevitável para todos é a morte. Qual é sua contribuição para resolver o perigo mais grave, que está esperando para devorar a todos, sejam cientistas, insetos ou vírus? Qual é sua solução para a morte? Deram algum passo para solucionar esse perigo universal? O que agora fazem é explorar e como reação estão atraindo uma vida inferior. Exploram a natureza e todos aqueles que estão desfrutando os benefícios terão que pagar até o último centavo.
"Toda ação produz uma reação igual e contrária". É o que dizem, mas o que fazem para resolver? Estão pondo o destino do mundo em risco com suas fascinantes propostas de aparente comodidade. Que é isso? Estão escondendo o perigo mais grave e inevitável e sua vida resulta em um trabalho negativo, inútil. Em certo sentido são traidores da sociedade. Venham de maneira útil, enfrentem e resolvam o verdadeiro problema, o problema mais comum e perigoso. Não sendo assim, abandonem o campo de batalha, vão embora, deixe-nos e provaremos que o mundo é uma morada de felicidade perfeita: "visvam purna sukhayate".
SUBMERGINDO NA REALIDADE
Mas, para compreender isto, vocês precisam submergir profundamente, não no plano do corpo e da mente, mas no plano da alma. Vocês têm que submergir completamente na realidade que há em cada um. Não é algo que se adquire de fora, por empréstimo, pois a alma está dentro de todos, inclusive nos insetos e árvores. Assim, pois, vocês têm que se elevar ao nível da alma. Desfazer-se de seus revestimentos físicos e mentais e encontrarem seu próprio ser. Ali acharão a chave, a pista para o mundo verdadeiro, onde vale a pena viver a vida.
A solução está ali: até certo ponto muitos Mahajana, grandes santos de todas as vertentes religiosas, têm dado indicações, mas nós afirmamos que no Bhagavad-Gita e no Srimad-Bhagavatam, a Índia mostrou o conceito mais elevado do mundo espiritual. Nele nos detemos, não somos sonhadores, somos pensadores muito práticos. Não evitamos nenhum problema dizendo: "Oh, não tem solução!" Não pertencemos ao grupo que quer obter fama e prestígio fáceis. Não queremos nos comparar a esses enganadores. Venham, e averiguem se podem encontrar o plano da realidade. Não se pede que empenhem mais enegia que tenham, apenas que aceitem nosso programa: provem e verão.
Onde estamos? Quem somos? Qual é a verdadeira natureza do mundo? No Corão, na Bíblia e nos Vedas e em todas as demais Escrituras há esperanças e indicações sobre a vida real. É tudo isso uma fraude? Que alívio oferecem os materialistas? Esse alívio é somente para os que enganam a si próprios e os está arrastando ao país do empréstimo e da dívida, ao país onde "toda a ação produz uma reação igual e contrária". Devemos disseminar um a civilização divina neste plano, temos que provar o caminho que foi sugeridos pelos grandes santos e pelas Escrituras. Não é algo irracional, não é uma loucura. Venham, aqui também pode se aplicar a razão.
Sri Caitanya Mahaprabhu, com um exemplo alegórico, ofereceu uma solução para todos nossos problemas. Ele disse: "Vemos que é pobre, mas há uma solução satisfatória. Sua riqueza está enterrada no chão da sua casa e tudo o que tem que fazer é desenterrá-la. Não se aproxime dela pelo sul, com o método do karma, "dá-me e toma", pois então tudo o que fizer lhe causará alguma reação, que o atrapalhará e perturbará, e não terá tempo para alcançar a solução apropriada. Se se aproximar desse tesouro escondido pelo lado oeste, através do sistema de yoga, manipulando as forças sutis da natureza para obter poderes místicos sobrenaturais, eles o enfeitiçarão e desviarão sua atenção da meta desejada. Sua própria atividade na direção equivocada impedirá tua realização"
O FANTASMA DO SAMADHI
"Se com a ajuda de lógica Vedanta mal interpretada, se aproximar do tesouro pelo norte, através do grande 'brahmasmi", o conceito impersonal, então estará em samadhi eterno. Esse grande fantasma o tragará, sua existência se desvanecerá e quem chegará a desfrutar a paz que se obtém ao achar a riqueza? Só se aproxime desta com a ajuda da devoção, assim conseguirá alcançá-la facilmente. Essa é a direção da saída do sol, a direção de onde procede a luz. Essa luz não é preparada pelas suas próprias mãos, essa luz provém da fonte de toda luz, a verdade revelada, é envida de um lugar que desconhecemos. Essa luz é o conhecimento revelado, "bhakti", o caminho da devoção."
Adote esse caminho em sua busca da verdadeira riqueza, que existe dentro de você, e lhe será fácil encontrar seu próprio ser, que é muito maravilhoso ("ascaryavat pasyati kascid enam"). Ao descobrir que seu próprio eu é tão maravilhoso, ficará envergonhado pensando: "Como pude ter sido arrastado pelo encanto deste mundo material? Eu sou alma. Como pôde "maya" exercer sobre mim um poder tão feiticeiro, que meu próprio ser, tão valioso e maravilhoso, foi atraído pela ilusão? Os maiores espiritualistas veneram muito a paz que existe dentro de mim, mas mantenho-me em contato com coisas mortais, repugnantes e putrefatas. Como? É assombroso, mas fui enganado".
Assim, pois, da alma à Superalma, de Vasudeva a Narayana e de Narayana a Krishna, a compreensão progressiva na realização de Deus não é pouco científica: é realmente científica, é vijñana, conhecimento científico.
"jñanam te' ham sa-vijñanam, idam vaksyamy aésatah
yaj jñatva neha bhuyo 'nyaj, jñatavyam avasisyate"
No Bhagavad-Gita (7.2) Krishna disse: "Arjuna, agora te explicarei o conhecimento científico, não só sobre a alma mas também de sua potência. A mente, os sentidos e as modalidades da natureza são não-atma, materiais. Há um enfoque direto e indireto da realidade, que agora te explicarei. Por favor, escuta-me com atenção: "jñanam te 'ham sa vijñanam" O que é isto? Eu existo e Minha potência, e a "jiva", a entidade viva, é a potência marginal que preenche todos estes mundo materiais". Se a "jiva-sakti", a potência espiritual fosse retirada, tudo seria pedra. Nesse caso, quem se interessaria por explorar? Se a potência marginal, a "jiva", fosse separada da matéria, toda a agressividade, toda a tendência para a exploração terminaria, tudo morreria. A alma penetra a matéria de consciência e a converte em algo móvel. Vocês devem compreender isto de forma apropriada, de um modo científico. Não nos falta capacidade para lhes oferecer uma explicação científica.
DO AUTO-ENGANO À REALIDADE
Aqui há um conceito mais elevado do mundo superior. Esse mundo é real e o lugar onde se esforçam ao máximo para se estebelecer, o lugar que consideram real, é irreal.
"ya nisa sarva-bhutanam, tasyam jagarti samyami
yasyam jagrati bhutani, sa nisa pasyato muneh"
Bhagavad-Gita 2.69
"Estás dormindo no que se refere ao teu verdadeiro interesse e a verdadeira realidade, enquanto estás desperto no plano do auto-engano". Precisamos nos fixar no plano da realidade e fazer todo o possível para transmiti-lo para os outros.
Pregar significa o seguinte: "Eu tenho sincera fé na Consciência de Krishna e a sinto ao máximo. Vejo que aqui está também meu futuro, pois é muito prazerosa, útil e saudável, venho entregá-la a vocês, meus amigos. Devemos orientar nossas vidas de acordo com os princípios da Consciência de Krishna, tal como nos ensina o Mestre Espiritual. Aceitem-na e terão a sorte de alcançar a meta de suas vidas".
RASA: ÊXTASE E FELICIDADE
Assim temos que aproximar todos à Consciência de Deus, à Consciência de Krishna. Devemos mostrar que a Consciência de Deus, em última instância, se fundamente na Consciência de Krishna. Temos que mostrar com destreza, passo a passo, que Krishna é o depósito de todo prazer ("akhila rasamrta murtih"). Que é Consciência de Krishna? Rupa Gosvami deu uma definição científica. Não podemos evitar a "rasa", prazer. Todos buscamos "rasa": todo mundo, toda partícula, incluindo a menor partícula do universo, está sempre suspirando por "rasa", felicidade, êxtrase, e todas as fases possíveis de "rasa" estão personificadas em Krishna. Entendam como funciona. Que é "rasa"? Qual a sua natureza? Como se pode estabelecer uma comparação com ela? Desta maneira, passo a passo, chegarão ao conceito Krishna de Deus. Não é uma fábula das antigas Escrituras da Índia. Krishna não é uma fábula, mas um fato. Precisam sair à luz e enfrentar esse fato vivo, a essa realidade. Faremos todo o possível para lhes mostrar que Ele é um fato, Krishna é um fato, uma realidade, uma realidade que existe para si mesma.
Precisam pagar para chegar à meta, devem "morrer para viver" e desta forma perceberão que não é um engano. Perceberão quando progredirem ao longo do caminho ("bhakti paraktir anyatra ca"). Com cada passo adiante experimentarão três coisas: satisfação, sustento e erradicação da fome. Seus anseios em geral diminuirão. Em geral pensamos: "Quero isto, quero aquilo, quero tudo: mas ainda assim, não sacio minha fome". "Sentirão que sua fome se apazigua à medida que progridem na Consciência de Krishna e as coisas que consideravam que os aliviavam, serão abandonadas automáticamente. Seu comércio cessará, tudo se retirará. Sua tendência natural ao avanço espiritual aumentará de um modo espontâneo e verão como seu progresso se faz mais rápido. Poderão experimentar estas três coisas na prática. Venham e aceitem o que dizemos". Assim, temos que nos aproximar de todos, desejando os resultados para o Senhor.
O PROPRIETÁRIO DOS FRUTOS
Somos apenas agentes e estamos trabalhando porque Ele nos ordenou. Devemos lembrar o que é "bhakti", o que é verdadeira devoção. O resultado, qualquer que seja, não deve vir a mim, pois não sou mais que um agente. O benefício deve ir ao proprietário, ao meu Amo, Krishna. Temos que atuar com esta idéia e isso será verdadeiro "bhakti". Não sendo assim, estaremos ocupados em "karma-kanda": À caça ao fruto. Quero desfrutar do benefício do "karma" por minha conta, mas esse resultado deve ir a meu Amo. Eu sou Seu servidor e trabalho seguindo Suas ordens. Eu sou Seu escravo, não o Amo. Por isso não sou a pessoa apropriada para ser o destinatário dos frutos da energia. O dono da energia é o Senhor Supremo e todos os frutos oriundos da mesma devem ir a Ele, sem que pelo caminho haja interferência alguma. Esta deve ser a atitude de todo trabalhador e isso será "bhakti" autêntico, não somos os destinatários. Ele é o destinatário. Sempre devermos ser conscientes que Ele é o único beneficiário. Só então somos devotos; não somos os beneficiários, apenas trabalhadores desinteressados. Se diz no Bhagavad-Gita (2.47):
"karmany evadhikaras te, ma phalesu kadacana
ma karma-phala-hetur bhur, ma te sango 'stv akarmani"
"Tens direito a desempenhar teu dever prescito, mas não a desfrutar dos resultados de teu trabalho". Esta é uma grande advertência. Krishna disse: "Não penses jamais que por não seres o beneficiário dos frutos de teus atos, não tens por que não se esforçar". Pensar: "Não vou trabalhar por que não sou o beneficiário" é a maldição mais atroz. Inclusive as atividades dessinteressadas pertencem a uma categoria inferior. Devemos executar atividades piedosas para a satisfação do Senhor Supremo. Isto é "bhakti" ou devoção e em "bhakti" também há uma gradação: Há uma grande divisão entre "vidhi-bhakti" e "raga-bhakti", devoção calculista e devoção espontânea.
AUTÓCRATA, DÉSPOTA E MENTIROSO
Deus não é um rei constitucional, mas um autócrata. Trabalhar para um autócrata é o conceito mais elevado de sacrifício. Que grau de desinteresse e valor se necessita para trabalhar para um autócrata, um déspota, um mentiroso que trama qualquer coisa? Não só isso: tal é Sua posição normal. Não é um temperamento passageiro, mas sua natureza interior eterna. Krisna é um autócrata devido à sua própria Lei. Um autócrata está acima da Lei. A lei faz falta quando são muitos, não quando há um apenas. Krishna é um déspota, mas ao mesmo tempo é o Bem Absoluto. O mundo sairia perdendo se Seu despotismo fosse restringido. A bondade precisa fluir plenamente. Isso está errado? Pode haver alguma objeção? A bondade deve ter a liberdade de fluir por todo lugar. Se dizemos que Deus é o bem absoluto, o que perdemos então, aceitando a Sua autocracia? Deve a autocracia estar com os nécios e ignorantes? Não, o Bem Absoluto deve possuir autocracia plena: se a lei atasse as Suas mãos, sairíamos perdendo. A fim de nos atrair, Krishna mente, pois não podemos compreender toda a verdade. Krishna é um mentiroso, para que sejamos atraídos, pouco a pouco, até Ele.
Antes de mais nada devemos compreender que Krishna é apenas bondade e, em consequência, tudo que emana dEle tem que ser bom. Se há algum defeito, está em nós, somos usurpadores: Ele não é um usurpador, porém exibe isso como sua "lila", Seu jogo. Tudo Lhe pertence, por isso não há falsidade. Ele disse: "Faça-se a luz" e a luz se fez. "Faça-se a água" e houve água. Como pode haver falsidade nEle, se possui semelhante potencial?
Temos que nos sacrificar por Krishna, porque Ele é o amor, a beleza e a bondade absolutos. É preciso fé e desinteresse a um grau altíssimo. Se aceitamos Consciência de Krishna como nosso ideal mais elevado, temos que nos sacrificar muito: mas o sacrifício significa vida: "Morrer para viver". Não há perda no sacrifício, pois entregando-nos, só podemos ganhar.
Assim, pois, o "kirtana", a pregação, é aceita como o meio para chegar ao fim. Há muitos métodos pelos quais podemos nos aproximar com "kirtana" às almas deste mundo: de pessoa a pessoa, através de livros e executando "sankirtana", cantando o Santo Nome em congregação. Ajudando aos outros, ajudaremos a nós mesmos; aumentamos a nossa sorte e a nossa fé. Nossos atos de "kirtan" visam o benefícios somente dos outros, mas nós também nos beneficiaremos eternamente.
VAZIO ETERNO
Krishna diz no Bhagavad=Gita (2.47): "Nunca deixes de cumprir o teu dever ("ma te sango 'stv skarmani"). Vais deixar de trabalhar porque te pedem que o faças para Mim? Não te submetas a essa reação dolorosa, pois então estarás perdido. Não detenhas o trabalho para ir descansar. Não, isso é um vazio perigoso. Não saltes para esse vazio eterno, trabalha para Mim e prosperarás". Krishna também diz: "Abandona todo tipo de dever e rende-te a Mim ("sarva dharman-parityajya mam ekam saranam vraja"). Esta é Minha posição: Eu sou tudo para ti, teu guardião, teu amigo. Em Mim encontrarás a meta de tua vida. Crê nisso, Arjuna, não vou te enganar, és meu amigo, podes estar certo".
"man mana bhava mad-bhakto, mad-yaji mam namaskuru
mam-e vaisyasi satyam te, pratijane priyo 'si me"
"Medita sempre em Mim e torna-te Meu devoto, adora-me e inclina-te ante Mim. Deste modo certamente virás a Mim. Meu querido amigo, eu te prometo sob juramento, estou te dizendo a verdade. Eu sou tudo. Busque vir a Mim; Eu sou a meta, a realização da vida, não só para Ti como também para todos. Esta é Minha posição considerada de um modo absoluto. Tu és Meu amigo, não te enganarei. Podes crer em Mim. Prometo que é assim"
Krishna se expressa desta maneira franca, para nosso benefício. Ele veio para suplicar assim, por Si mesmo. E para nossa orientação, isso foi registrado no Bhagavad-Gita. Para pregar a respeito de Si mesmo, o Senhor Krishna veio como Sri Caitanya Mahaprabhu, como Seu próprio representante, acompanhado de Seus associados eternos, inclusive trouxe com Ele Srimati Radharani, a devoção personificada, dizendo: "Mostrarei a vocês quão encantadora é vossa posição em Meu serviço, quão digna e bela é a devoção de minha outra metade. Venham comigo!" E Baladeva veio como Nityananda para pregar, bem como Vrndavana veio para se dar a conhecer em Navadvipa. Por isso estamos
muito endividados, especialmente porque Krishna mesmo veio para pregar e mostrar quão sacrificado, belo e magnânimo é o amor divino.
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