sexta-feira, 29 de abril de 2011

CONSCIÊNCIA DIVINA E CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL

Sou formado em Direito, e por ter estudado essa área do conhecimento, possuo uma consciência definida em torno disso. Se folheio autos de processo, compreendo o que neles está posto, de uma forma distinta àquela que um vulgo entenderia. Para este, autos de processo é um monte de papel sem maior significação; para mim, neles há muitos significados e posso perceber isso. Da mesma forma, quando observo o corpo humano, não posso notar as mesmas coisas que um médico perceberia. Em função do conhecimento adquirido em seus estudos, o médico compreende o corpo humano de maneira diversa, pode diagnosticar eventuais problemas que o vulgo ignoraria.
Isto decorre da consciência que cada qual possui a respeito das coisas. Não existindo um certo parâmetro de consciência, as coisas, mesmo existindo, não são notadas, é como se não existissem. Uma equação para o matemático tem significado, traduz uma realidade que, para nós, não existe. Posso estar vendo algo, mas por não compreendê-lo, é como se esse algo não existisse. Os órgãos dos sentidos prestam seu papel na percepção das coisas, mas sem a interpretação pelo ser cognoscente, a captação dos sentidos não têm valor.
Tive um professor de Direito Civil que era até antipatizado por sua atitude em não permitir que seus alunos, durante a aula, fizessem perguntas. Mas justificava isso: "Se você não conhece nada sobre uma coisa, em consequência não pode ter dúvidas. Só vai ter dúvidas válidas depois de se inteirar completamente do assunto e, meditando sobre ele, encontrar lacunas que não possa resolver por si mesmo. Neste caso estarei aqui, mas recuso-me a perder o tempo precioso da aula para responder questões impensadas. Se o aluno, depois de ter visto todo o tema, após meditar sobre ele, encontrar dificuldades, pode me procurar. Antes disso, esqueça".
O ser humano percebe e compreende, na verdade, aquilo que está em seu interesse perceber e compreender. Todo o resto é ignorado. Meu irmão, assim como muitas outras pessoas que conheço, têm um talento que não possuo: qualquer coisa que observam, sobre ela imediatamente interpretam um meio pelo qual possam investir e gerar lucro financeiro. Como eu, desde cedo, ingressei em um cargo público, no qual sempre recebi um salário certo com o qual, de uma forma ou de outra, consigo subsistir e planejar, acabei não desenvolvendo esse comportamento interpretativo em relação às coisas, por isso nem sempre sou capaz de notar o potencial lucrativo (ou de prejuízo) de determinado negócio. Se preciso disso, recorro a meu irmão, que poderá ver o que não vejo, assim como quando ele necessita resolver alguma questão jurídica, não pensa duas vezes e recorre a mim, pois sabe que serei capaz de enxergar o que ele não pode.
Se a realidade está para o ser humano de acordo com seu próprio interesse, ou dito em outras palavras, a realidade se faz para a pessoa de acordo com aquilo que ela deseja compreender, isto significa que a realidade, em relação ao indivíduo, é um produto da concepção deste. O ser humano não abarca a realidade senão de acordo com a consciência que tem. E esta consciência progride na medida de seu interesse, de seus desejos. Certo dia tive interesse em estudar Direito, então fiz evoluir a minha consciência nessa direção e hoje possuo uma consciência jurídica das coisas. O mundo jurídico não existiria para mim caso não fosse nessa direção, por minha própria vontade; poderia ter adotado outros mundos, outras realidades, tais como a realidade biológica, ou a realidade econômica.
Um elefante é uma realidade em si mesma, mas para mim, que possuo consciência jurídica, é um bem semovente submetido à propriedade de alguma pessoa, física ou jurídica. Para o meu irmão, pode se tratar de um objeto que seria vendido com uma boa margem de lucro. Para o biólogo, o trombudo é um mamífero quadrúpede, da classe dos paquidermes, e assim por diante. Estão todos certos - e todos errados, dependendo do ponto de vista. De nada adiantará a realidade comercial do meu irmão, se a minha realidade jurídica o advertir que o elefante em questão é de propriedade do Estado da África do Sul e está em regime protegido. Não necessáriamente, mas muitas vezes as várias consciências se contrapõem: o que é verdadeiro para a realidade de alguns, para a de outros é falso. Isto acontece porque as consciências individuais são fragmentadas, relativas. Se só vejo uma porção da realidade - aquela que me interessa ver - quando me deparo com outra porção da mesma (aquela que não desejo ver), pode existir um choque. Um choque de interesses. Por muito menos que o conceito diverso a respeito de um paquiderme, foram declaradas guerras sangrentas.
Mas o que é a consciência em si? Que ela se estabelece em função do interesse, do desejo do ser consciente, já está dito. Mas isso não define o que É a consciência. Na concepção dos materialistas, trata-se de produto da atividade cerebral. Os espiritualistas levam-na à conta de um atributo da alma. Um embate de realidades díspares, de realidades contrapostas, estabelecidas por interesses definidos. É perceptível que não é solucionando esse embate que encontraremos a definição do que é a consciência, pois optando por um ou por outro lado, estaríamos sendo levados pelo próprio mecanismo da consciência.
As teses que se contrapõem aqui têm, as duas, bases sólidas e históricamente estabelecidas. O espiritualismo encontra respaldo no idealismo platônico e em inúmeras filosofias, ocidentais e orientais: o materialismo, no método empírico-indutivo e em um sem-número de vertentes filosóficas também respeitáveis. Existiria a possibilidade de uma síntese?

O MATERIALISMO E O ESPIRITUALISMO - QUESTÃO DE PALAVRAS?

A Cosmologia e a Física atingiram um ápice no conhecimento, em que toda a base sobre que se fundavam se mostrou inconsistente, como areia movediça. A teoria do "big-bang" considera que o universo, tal como conhecemos, teve início há cerca de treze bilhões de anos, em um momento "zero" no qual toda a matéria estava concentrada em um ponto ínfimo, de densidade infinita. Ao mesmo tempo em que a matéria em tal estado é virtualmente inconcebível, mais incognoscível está qualquer suposição do que existia antes disso. Por outro lado, a Física Quântica chegou no ponto de considerar a matéria primordial como elementos de informação constitutivos, em que massa e movimento nada mais são que números sem substância própriamente, e cujos parâmetros não podem ser estabelecidos independentemente do observador, quebrando-se, deste modo, a dicotomia entre observador e observado.
Se com isto o materialismo perdeu substância sobre que se basear, do mesmo modo o espiritualismo não tem esteio. Se espiritual é qualquer coisa que tem natureza diversa da matéria, como poderíamos definir essa coisa, se não sabemos nem o que é a matéria? Como saber o que é o branco sem conhecer o preto? Se o "ovo" primordial do universo, no momento inicial do "big-bang" era "matéria" em estado absolutamente diverso àquilo que chamamos de "matéria", poderíamos muito bem conceituá-lo como não-matéria - espírito, portanto.

"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas" (Gênesis, 1. 1.2).

A terra era sem forma e vazia (são atributos da matéria, tal como a conhecemos, a forma e a substância). Havia trevas sobre a face do abismo (claro, sem matéria tal como conhecemos, não há emissão de energia, não há luz). O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (tradicionalmente água era a substância primordial, capaz de gerar a vida, e o Espírito de Deus se movia, ou seja, trabalhava nela).

Vista desta forma, a narrativa bíblica em nada se contrapõe à concepção científica. Se entendermos por "Espírito de Deus" aquilo que havia antes da matéria existir tal como a conhecemos, o âmago do "big-bang", não há qualquer diferença entre o que está escrito nos Gênesis e aquilo que os cientistas teorizam.
É preciso nos lembremos da Teoria Especial da Relatividade. Tempo e espaço não são realidades autônomas, elas são produto da matéria, são dimensões decorrentes da própria matéria. Não é que no momento inicial do "big-bang" existia um espaço vazio imenso em volta, aguardando a expansão da matéria. Nem se poderia "aguardar" nada, pois o tempo não corria. Tempo e espaço começaram a existir simultânea e proporcionalmente com a expansão do universo.
O seja, a "substância" que se comprimia em densidade infinita no "ovo" do "big-bang", a chamada "singularidade" (palavra, aliás, que os próprios cientistas dizem ter adotado por falta de outra melhor), estava em uma legítima situação de eternidade. Eterno, ao contrário do que muitos conceituam - no sentido de perpetuidade, imortalidade -, é o estado daquilo que não se submete à condição de tempo e espaço, que não está na dimensão material.

O VERDADEIRO EMBATE: A CONSCIÊNCIA EM SI.

Podemos ver então que a questão não se cinge ao materialismo ou espiritualismo, pois estes são, no momento atual, dois conceitos sem valia para a compreensão da Realidade última. Se o primórdio do universo não era matéria, pode ser tido como "espírito" e, por ter sido a causa de todas as causas, não há motivo para não chamá-lo de "Deus". Aliás, esse elemento primordial não carece de nenhum dos atributos que usualmente aplicamos ao conceito de Deus: é eterno (não se submete ao tempo e ao espaço), é infinito (densidade absoluta), é onipotente (sua expansão gerou tudo que existe).
Penso que a controvérsia está em um ponto específico: este processo está regido por uma Consciência? O Universo começou a se expandir, gerando matéria e sistemas, por um interesse próprio, houve uma Vontade inicial que disse para si-Mesma: "vou me expandir"?
Nós humanos gostamos de crer que a consciência é um atributo exclusivo de nossa espécie. Após milhões de anos, do vazio pétreo e inconsciente, por um processo evolutivo ímpar, surgimos nós, os humanos, reis do universo, únicos seres capazes de ter consciência e vontade. Esta visão é interessante e vantajosa, pois nos dá o direito de dispor de tudo quanto não possui consciência. Históricamente aliás, sempre que alguns humanos queriam dispor de outros, escravizando-os, davam um jeitinho de justificar a coisa, dizendo que os ditos escravos não possuíam alma (em outras palavras, não tinham consciência). Assim fazemos com todos os seres vivos. Como não vemos as vibrações de sofrimento das árvores, as consideramos "inconscientes" e não sentimos culpa por derrubá-las; fazemos ouvidos moucos a mugidos, grunhidos e gritos de animais ditos "inferiores", levamos tais sons na conta de reações vazias (os animais também não têm alma!), e cortamos suas gargantas para nos refastelar com sua carne nutritiva.
Também é interessante e muito vantajoso negar consciência ao Princípio das coisas, tê-lo como um "feliz acaso". Assim podemos justificar nossos próprios sistemas morais e éticos, ou mesmo não ter nenhum sistema, sem ter que nos reportar a ninguém. "Que saco, não posso fazer nada e esse Sujeito fica lá em cima me recriminando!" É melhor mesmo que esse Sujeito não exista, não é?
Mais uma vez a realidade estabelecida o é de acordo com o interesse. Nossa consciência do mundo está de acordo com nossos desejos. Ignoramos a possibilidade de uma Consciência superior, que teria desejado criar o Universo, porque isso nos é conveniente. Mas - quanto esta conveniência está de acordo com a Realidade em si? O que aconteceria ao meu irmão se ele, ignorando a realidade jurídica, vendesse o elefante para alguém? Por certo o governo da África do Sul o poria atrás das grades por dispor de uma propriedade do Estado, que estava sob regime de proteção.
Do mesmo modo, nada obsta ignoremos a realidade de uma Consciência superior. Esta, contudo, por ser superior, não se prejudica com esta nossa ignorância, simplesmente nos arrastará pelo caminho que nos cabe no sistema por ela planejado, esperneemos ou não. Porque não conhece a língua falada na África do Sul, meu irmão sequer saberá porque está preso. E porque ignoramos completamente a Consciência superior, também não saberemos a razão pela qual fomos "arrastados" por caminhos que não queremos.

A CONSCIÊNCIA SUPERIOR - DEUS

Em primeiro lugar é preciso peguemos todas as concepções arcaicas que engavetamos a respeito de Deus, as ponhamos em um saco e as joguemos no lixo. E explico a razão: elas advém de uma história tortuosa, equivocada, em que se misturam indevidamente idéias teológicas legítimas com desvios comportamentais de instituições viciadas, interpretações errôneas que visavam interesses mesquinhos de pessoas e de grupos.
Não está longe a Revolução Francesa, que para se contrapor visceralmente contra a instituição vigente - a Igreja - declarou que Deus não existia e entronou a "Deusa Razão" em Seu lugar. Mas - que é a Razão senão Deus mesmo? Poderia o criador do universo ser irracional? Ideologias diversas se debateram, não sem muitas guerras e muito sangue, nos últimos milênios, em função de interesses pessoais e grupais, tais ideologias nunca foram o objeto primordial de discordância. Um exemplo: Lutero se revoltou contra as ditas "indulgências", pois o ouro saía de seu bolso para engordar os cofres papais. Decidiu então que para chegar a Deus, não precisava dar dinheiro para o Papa, bastava ter a graça de Deus diretamente, e assim ficou com a pecúnia.
O Papa Pio XII, por sua vez, achou por bem ficar quietinho diante das atrocidades cometidas pelo Reich, já que o Vaticano está encravado no coração de Roma, que fica na Itália, e que estava sob o governo de Benito Mussolini, aliado de Hitler. A questão moral não era, afinal, tão importante, poderia esperar um pouquinho.
O que tudo isto tem a ver com Deus? Os homens criam suas querelas minúsculas - perante o Universo são como micróbios lutando por alimento no lodo -, e põem Deus no meio de suas discussões para, de um modo ou de outro, justificarem as próprias atitudes. E Deus "paga o pato". Isto soa tão ridículo que sequer merece qualquer comentário mais aprofundado.

Deus, enquanto Consciência Superior criadora do Universo, não é nenhum conceito absurdo. Muito pelo contrário, digo que indício fidedígno de Sua existência está em nossa própria existência. Se observarmos com atenção as coisas, podemos verificar que nada se desdobra a partir de algo que não existia antes. Não se vê maçã nascendo de bananeiras, nem rios brotando do nada, é preciso existir uma fonte. Pela natureza mesma das coisas, se eu tenho uma consciência - e ela não é ilusão, ela está aqui -, então ela não pode ter vindo de algo diverso. Consciência não é matéria, portanto não pode ter vindo desta. Ela interage com a matéria, mas não é matéria, assim como em um computador se diferenciam hardware e software. Estes interagem, mas não são a mesma coisa. Em informática, o que é perene, o que subsiste na realidade? O programa ou a máquina? Ora, se a máquina se quebra, se a jogamos fora, pegamos o programa e o inserimos em outra. Assim a consciência em interação com a matéria. Simples assim. Contudo, muitos querem forçar o raciocínio e convencer a si mesmos e aos outros, que é possível um computador possa, por si mesmo, gerar consciência. Se pudesse, teria que ter um programa inicial que lhe possibilitasse isso - e criado por uma outra consciência, superior a ele. Mas tente deixar um computador ligado, por bilhões de anos que sejam, e aguarde ele crie consciência por si mesmo, de suas próprias entranhas mecânicas. Acho bom você aguardar esses bilhões de anos deitado em uma rede.

Posto isto, voltemos à dita singularidade do "big-bang". Trata-se de um estado da "matéria", em que sob pressão e densidade infinitos, se restringia em um ponto não submetido nem a tempo nem a espaço (pois não existiam). O que, afinal de contas, "detonou" sua expansão? Se era um ponto sem tempo nem espaço, era eterno por definição. Se não era matéria porque não tinha quaisquer atributos do que chamamos de matéria, tampouco se submetia a causas e efeitos. Estabilizava-se em si mesma infinitamente. Por que razão tal estado de eternidade e equilíbrio em si mesmo, em um dado momento começou a se expandir? Qual a causa se não existiam causas?
Essa singularidade teria dito para si mesma: "Eu quero"?
"E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas." (Gênesis, 1. 3,4).
Eis aqui a única explicação razoável para a coisa, ou seja, a vontade, a determinação. "Eu quero", "eu desejo", uma Consciência que de si mesma e para si mesma gerou a multiplicidade. Eternizava-se no uno da singularidade e resolveu, por vontade própria, expandir-se em múltiplos aspectos. Havia necessidade disso? Era imprescindível? Não. Não há relação necessária, pois não há causa (lembre-se, no seio da singularidade não há tempo nem espaço, portanto não há causas e efeitos, tampouco necessidade).

Por ser potência única geradora de tudo, é mais que tudo, por ser Consciência geradora de todas as consciências, é supra-consciência e as abarca todas. Como é de si mesma e para si mesma, esta Consciência não deseja o próprio mal, portanto é Bem Absoluto. Mal é o que eventualmente se contraponha a Ela, e assim fica apenas enquanto permaneça em contraste - como a sombra decorre de um obstáculo momentâneo à luz.
De Si, em sua expansão infinita, à borda dessa expansão pipocam múltiplas consciências individualizadas - que ao mesmo tempo pertencem à Origem mas têm caráter próprio, como não se confundem os raios luminosos da fonte que os gerou. Somos nós - não só seres humanos, mas todos os seres, vegetais, animais e super-humanos.

AS CONSCIÊNCIAS GERADAS POR DEUS


Tomo a liberdade de tirar proveito da analogia mencionada para dar a compreender o processo de geração das consciências múltiplas a partir de Deus.
Estas são como a borda dos raios luminosos e Deus é a fonte. A fonte luminosa lança seus raios em todas as direções, iluminando, assim, o ambiente. Imaginemos a posição específica da borda de um determinado raio luminoso: está sendo lançada na direção contrária da fonte, e embora faça parte constitucional desta, se defronta com o não-ser, sobre o qual, para o compensar, por ter as mesmas características de Quem a gerou, passa a criar proporcionalmente a seu diminuto poder. Contudo, justamente porque está em situação marginal, em determinado momento esquece-se da Fonte e passa a acreditar que a realidade é apenas aquilo que criou, olvidando tudo aquilo que existe atrás de si. Ora, isto é uma ilusão. Bastaria "olhar para trás" e perceber que faz parte de um Todo maior, que provém de uma Fonte que a gerencia bem como a todas as outras bordas luminosas marginais. Contudo, prefere mergulhar mais e mais na própria fantasia ilusória, como em um brinquedo extremamente fascinante, como uma criança que não deseja parar de brincar.
Como em um jogo, um "game" no qual prendemos a atenção, sofremos ao perder e alegramo-nos quando vencemos. Na fascinação do jogo, enquanto este perdura, a "realidade" é o jogo, ficamos fechados à Realidade externa aos mecanismos do lúdico. E, quando o jogo termina, se ficou alguma insatisfação por termos perdido, se ficou a satisfação de termos ganho, logo desejamos voltar a jogar, ou para ganhar novamente ou para compensar a perda. Viciosamente buscamos revivenciar o jogo. Por isso, nascemos e morremos múltiplas vezes, presas desse jogo, que é a vida "material" própriamente dita. Sómente quando finalmente percebemos que é apenas um jogo, que nada tem esse brinquedo de essencial em nossa constituição, é que voltamos à Realidade plena.
A expansão dessa Fonte é cíclica, ela não joga seus raios para além de si mesma senão para trazê-los de volta e depois lançá-los, novamente. Como o pulsar de um coração vivo, como o refluir das águas, a Fonte chama constantemente para si aqueles que lançou no infinito, que na verdade é Ela mesma. Como existe em si mesma e para si, decidiu que a unicidade não se presta ao exercício do Amor - o qual supõe a multiplicidade. O retorno das multiplas consciências para Si não poderia, contudo, ser obrigatório - pois o Amor deve ser livre, ninguém ama por dever de amar, o amor deve ser uma decisão autônoma da consciência. "Que brinquem", pensa Consigo, "um dia sentirão Minha falta e naturalmente voltarão, de livre e espontânea vontade, para Mim. Enquanto isso, espero. Se querem brincar, que brinquem. Se querem se iludir, até ajudo nessa ilusão, pois não há mal algum nisso - apenas ficarão muito mais tempo entretidas". Apenas não quer que voltem a Ele de má-vontade, por obrigação, quer que voltem por afeto, por amor legítimo.

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