sábado, 23 de abril de 2011

O Santo Sudário de Turim e a crucificação de Jesus

Não sou especialista, mas com base no que já li e vi a respeito em documentários - de anteontem para hoje já passaram dois por conta da Semana Santa, arrisco a tecer algumas considerações a respeito do assunto.
Por primeiro, é preciso definir o que seria propriamente entender que o chamado Santo Sudário de Turim seja "autêntico". Há três possibilidades de autenticidade, a saber:
a) pertence à época de Jesus, realmente envolveu seu corpo no sepulcro e suas marcas são a comprovação de um evento supranormal (a ressurreição);
b) pertence à época de Jesus, realmente envolveu seu corpo no sepulcro, porém suas marcas são um efeito natural e nada comprovam quando à ressurreição;
c) pertence à época de Jesus, mas não envolveu seu corpo no sepulcro, refere-se a outra pessoa e óbviamente suas marcas são um efeito natural.
São, portanto, três graus de autenticidade para o Sudário, considerado o mesmo como um objeto arqueológico. Seria inautêntico se se tratasse de uma fraude - coisa aliás muito comum na Idade Média, quando se fabricavam relíquias religiosas aos borbotões, para atendimento de uma demanda que, todos sabemos, existiu neste período.
Adianto minha opinião a respeito e este artigo visa argumentar no sentido desta. Aguardo que os leitores emitam suas opiniões também, pois o debate está sempre aberto.
No meu entendimento, o Santo Sudário é autêntico conforme o item "b" supramencionado, ou seja, pertence à época de Jesus, realmente envolveu seu corpo no sepulcro, porém suas marcas são um efeito natural.
Para dizê-lo autêntico do ponto de vista da época que se lhe atribui, faz-se necessário derrubar os resultados do exame de datação Carbono-14 realizado, que a atribuiu àquela peça idade entre 1230 e 1390. Na verdade tal se afigura extremamente fácil na medida em que sabemos que as amostras foram retiradas da borda do Sudário - e históricamente sabe-se também que o mesmo foi remendado na Idade Média, justamente na borda, devido a danos causados por um incêndio. Ou seja, datou-se aquele remendo, não o Sudário original. Uma amostra válida, contudo, seria impensável, pois implicaria em destruir justamente a parte em que está a figura humana impressa.
No entanto, é relevante o fato de ter sido encontrado pólen de plantas características da Judéia no pano de linho, e nenhum fraudador, por mais especioso, teria a pachorra de sair da França e ir até a Judéia colher pólen para essa finalidade. Na Idade Média sequer alguém pensaria na possibilidade de pesquisadores do século XXI procurarem este tipo de indício.
Outro indício que reputo exremamente forte de autenticidade é o fato da marca de cravo na figura estar localizada no pulso e não na palma das mãos. Somente na segunda metade do século XX ficou estabelecido cientificamente que, na crucificação, seria necessário pregar o condenado pelos pulsos, pois pregando-se a pessoa pelas palmas das mãos, estas rasgariam pelo peso do corpo e o mesmo não permaneceria suspenso na cruz por mais de trinta minutos.
Ora, nenhum fraudador da Idade Média saberia desse detalhe, teria feito a marca dos cravos na palma das mãos, como era então o entendimento convencional e indiscutível.
Tais elementos, para mim, são suficientes para entender ao menos seja altíssima a probabilidade do Santo Sudário advir do século I.
Não sou estatístico, mas por outro lado intuo que há um forte indício de probabilidade de que, tendo sua origem no século I, a figura nele impressa se refere mesmo a Jesus. O pólen nele encontrado só existe na Judéia e em uma área restrita a 500 km de Jerusalém; temos no pano de linho todas as marcas características descritas nos Evangelhos - a coroa de espinhos, os cravos nas mãos e nos pés, o açoite de flagelos, a ferida de lança no flanco, os longos cabelos (típicos apenas dos Nazarenos àquela época).
A questão científica em si está adstrita em como a figura ficou impressa no linho. Não se trata de sangue - há sangue, mas não é este que a desenha. Foram descartadas a pintura (pois as marcas são superficiais e não foram encontrados indícios de tinta), a fotografia (tanto em função da época como pelo fato de que a figura tem proporções tridimensionais (a partir dos vários pontos é possível reconstruir uma imagem tridimensional, o que não seria possível a partir de uma imagem fotográfica) e mesmo a radiação (pois seja difusamente ou linearmente, a luz geraria borrões ininteligíveis). Quanto a este ponto, o mistério permanece e deixo em aberto a questão, a não ser por uma hipótese que lanço no fim deste texto, que friso, é apenas uma hipótese.
Por amor ao argumento, estabelecida assim a autenticidade do Santo Sudário pela época e pela pessoa a que se refere (pertence ao século I e envolveu o corpo de Jesus), com base em alguns conhecimentos básicos de medicina legal e pelo que entendo sejam fortes indícios históricos advindos do próprio texto evangélico, declaro a seguinte hipótese: Jesus foi crucificado, porém não morreu na cruz.

Indícios constantes dos textos evangélicos:

"46 Pelas três da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” 47 Alguns dos que ali estavam, ouvindo-o disseram: “Ele está chamando por Elias! (Mateus)
50 Então Jesus deu outra vez um forte grito e entregou o espírito. (Mateus)
46 e Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito" (Lucas)
"34. Às três da tarde, Jesus gritou com voz forte: “Eloí, Eloí, lemá sabactâni? – que quer dizer “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Marcos)
37 Então Jesus deu um forte grito e expirou" (Marcos)

A crucifixão consiste em suspender o corpo do condenado, em uma estaca transversal com os braços abertos por tempo indeterminado até que se exauram as forças pulmonares e a pessoa morra por asfixia. Como alguém que estava morrendo por asfixia teria forças para dar um forte grito?

"43 Por isso, José de Arimatéia, membro respeitável do sinédrio, que também esperava o Reino de Deus, cheio de coragem foi a Pilatos pedir o corpo de Jesus. 44 Pilatos ficou admirado quando soube que Jesus estava morto. Chamou o centurião e perguntou se tinha morrido havia muito tempo. 45 Informado pelo centurião, Pilatos entregou o corpo a José." (Marcos)

Os soldados romanos eram extremamente experientes no que se refere à crucificação (esta era a condenação mais comum na época, era aplicada a escravos e estrangeiros praticamente todos os dias), e eles sabiam que o normal era a pessoa morrer lentamente, o crucificado ficava muitas horas, em média dois dias e até mesmo nove dias suspenso ate expirar. Por isso surpreendeu-se Pilatos em saber que Jesus havia morrido após três ou quatro horas. Precisou confirmar o fato com o centurião para acreditar que Jesus estava morto.

"9 Entrou novamente no pretório e perguntou a Jesus: De onde és tu?
Mas Jesus não lhe respondeu. 10 Pilatos então lhe disse: Tu não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e para te crucificar? 11 Respondeu Jesus: Não terias poder algum sobre mim, se de cima não te fora dado. Por isso, quem me entregou a ti tem pecado maior. 12 Desde então Pilatos procurava soltá-lo". (João)

Some-se a isso ter Pilatos sido advertido pelo esposa que tivera um sonho a respeito. Os romanos eram extremamente supersticiosos relativamente a sonhos, levavam estes tão a sério que as advertências oníricas eram consideradas até mesmo para definir se era aconselhável ir à batalha em um determinado dia ou não.

"31 Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32 Vieram os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro, que com ele foram crucificados. 33 Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe
quebraram as pernas, 34 mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e,
imediatamente, saiu sangue e água." (João)

Quebram-se as pernas dos crucificados para que se asfixiem mais depressa, pois com isso perdem o apoio. Não quebraram as pernas de Jesus - e lembremo-nos, o centurião que presidiu o ato de quebrar as pernas dos condenados é o mesmo que admitiu verbalmente "este era realmente o Filho de Deus"... (aliás, o mesmo que informou a Pilatos que Jesus havia morrido, supra).

"39 Acompanhou-o Nicodemos (aquele que anteriormente fora de noite ter com Jesus), levando umas cem libras de uma mistura de mirra e aloés. 40 Tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no em panos com os aromas, como os judeus costumam sepultar." (João)

Que faziam dois expoentes do Sinédrio na história? Nicodemos e José de Arimatéia eram fariseus de alta estirpe, pertencentes ao Sinédrio. Isto indica uma dissidência dentro daquele órgão deliberativo. Nicodemos já havia tido conversações pessoais com Jesus e tudo indica que, ocultamente, era seu discípulo. José de Arimatéia é citado apenas no final da história, mas a presença dos dois ao lado da causa de Jesus sinaliza que poderiam não ser só dois.

Observo que o evangelho em questão menciona ter sido Jesus envolto pelo Sudário e por "aromas". Não sei se há pesquisas quanto à possibilidade da combinação desses eventuais "aromas" (substâncias aromáticas, sejam quais forem) com os fluidos corporais (suor, sangue e uréia) fixarem uma tênue imagem do corpo no linho. Teríamos aqui uma explicação lógica, natural e no âmbito da química para o fato.

Indícios oriundos do próprio Sudário de Turim:

Admitindo-se ser o Santo Sudário de Turim autêntico, visualizo dois fortes indícios básicos, de medicina legal, de que o homem que foi envolto por ele não estava morto.
Jesus entre sua suposta morte na cruz (por volta das três horas da tarde) até ser retirado (antes do pôr do sol, por volta das seis horas da tarde), se estivesse realmente morto, apresentaria dois sintomas básicos: teria cessado de sangrar (mortos não sangram) e o "rigor mortis".
O Santo Sudário mostra marcas profusas de sangue, como se este tivesse recentemente brotado do corpo para o pano. Um cadáver de três horas já estaria com o sangue coagulado e não marcaria desse modo o linho.
Por outro lado, em razão do "rigor mortis", ao retirar o cadáver da cruz, onde a pessoa expirara com os braços estendidos, só haveria uma maneira de posicioná-lo com os braços cruzados: quebrando-lhe as clavículas e os braços. Esta circunstância ficaria perfeitamente visível na figura impressa no tecido, o que não ficou constatado, de forma alguma.

Tais elementos indiciários - tanto no texto evangélico, como no próprio Sudário, se admitido como autêntico - levam à altíssima probabilidade de que Jesus, tendo sido crucificado, nela não morreu, tendo sido retirado antes disso.
Fica fácil imaginar uma conspiração oculta entre os próprios componentes do Sinédrio, aqueles que eram simpáticos a Jesus, que visou salvá-lo da morte certa, talvez até mesmo mediante suborno dos soldados que presidiram a crucificação, de tal forma que Jesus teria sido retirado às pressas do madeiro para ser tratado.

Isto implica em uma fraude histórica? Não creio. Não acredito que os discípulos conscientemente tenham espalhado uma mentira para justificar a doutrina cristã.
Quando alguém sofre um acidente horrível e escapa com vida, a reação natural é comentarmos: "viveu de novo", no sentido metafórico de que aquela pessoa, envolvida em uma situação de altíssimo risco, tendo sobrevivido, é como se tivesse voltado à vida. Esta expressão é mais comum do que imaginamos.
Pensemos um discípulo no século I utilizando uma expressão dessas em um mundo sem telecomunicações. Sai da Judéia e vai à Grécia, diz que Jesus quase morreu mas foi salvo da cruz, que "ressuscitou" (no sentido metafórico). Os primeiros ouvintes entendem perfeitamente a mensagem, mas pelo fenômeno da transmissão às outras pessoas, a metáfora vai se tornando literal. O tempo que levaria as testemunhas oculares voltarem àquele rincão e desmentirem a falsa interpretação (se é que poderiam saber que essa falsa interpretação estava se espalhando) seria o de suas próprias vidas (o transporte era precaríssimo) e assim foi ficando. Em um certo momento histórico, desmentir o equívoco seria até mesmo ideológicamente perigoso, pois solaparia pela base a fé cristã crescente. Não duvido que muitos preferiram deixar a situação como estava para não pôr em risco a mensagem de Jesus, que afinal, era o que realmente importava.

A mensagem de Jesus, de fé, amor e caridade era o que realmente importava. É o que realmente importa. Equivocamo-nos redondamente em ter a mensagem cristã como dependente da suposta ressurreição de seu fundador, como se, ao provarmos a inexistência desta, automáticamente seriam inválidas as palavras proferidas no Sermão da Montanha.
Já existe milagre suficiente em um homem do século I, em plena dominação romana, pregar o amor ao próximo, o perdão e a caridade, quando estes conceitos eram absolutamente ininteligíveis ao comum dos mortais. Por que, afinal de contas, ainda queremos milagre maior que este?
Afinal, a salvação do homem está na sua conduta moral e na sua proximidade espiritual com Deus ou em fatos milagrosos, que por si só, nada trazem de acréscimo?

4 comentários:

Vladimir disse...

Apenas um breve comentário, segundo o Apóstolo Paulo :
Se Jesus não ressuscitou é vã a nossa fé.
Sendo assim, creio que Jesus morreu na cruz, como havia sido profetizado e ressuscitou ao terceiro dia ... é minha crença mais básica. Recito isso no Símbolo de fé.
Achei interessante o estudo, é difícil entender as explicações da Bíblia, tudo é contado muito resumidamente ...

Unknown disse...

Devo dizer que o texto acima é um escorço de suposições e aberto a debate, não registra a minha última palavra sobre o assunto, não se erige como uma convicção absoluta de minha parte. Só chamo a atenção aos últimos parágrafos, os quais na verdade dão a conclusão exata do meu raciocínio: penso que fundamentar a fé na ressurreição literal de Cristo é, além de precário, uma coisa desnecessária; tão sublime foram os ensinamentos de Jesus, que fazer eles dependam de um fato milagroso não lhes faz a devida justiça.

Vlad do Orkut disse...

Sobre a ressurreição, faz parte de vários mistérios de fé como : Criação - queda - encarnação - salvação - ressurreição.
A Bíblia toda forma uma idéia com começo meio e fim, assim no Genesis vemos a criação, a queda, a odisséia humana na Terra,e depois, caminhando para a encarnação de Jesus, que nos salvando, ressuscitou e nos deu também a chance de ressuscitar para a vida eterna voltando ao estado original antes da queda ... então, não seria por causa do milagre em si, mas por causa de todo um contexto,em que a ressurreição é o ápice da vitória sobre a morte, é o coroamento do seguimento de Jesus, faz parte do contexto, é a recompensa para quem é fiel a Deus até o fim ....

Unknown disse...

Relativamente à ressurreição em si, não duvido que Jesus pudesse fazê-lo, já que o fez com pelo menos duas pessoas (uma menina cujo nome não sei se é citado nos evangelhos e Lázaro). Ora, se ressuscitou outras pessoas, lógicamente poderia fazê-lo consigo mesmo. Aliás surpreende-me, no contexto da história, após tantos feitos vistos, os apóstolos não terem a convicção de que isso poderia acontecer. Isso está no ser humano, ele duvida mesmo depois de provas cabais.
Teológicamente, contudo, tenho para mim mesmo, dentro do contexto das próprias palavras de Jesus, que a ressurreição não é um fato necessário para a confirmação de sua doutrina. Se o reino dele não é deste mundo, para que voltar a ele? Não me parece necessária a ressurreição, a não ser como um fato extraordinário visando confirmar o poder divino de que Jesus estava investido, nada mais. Mas isso gera a contrapartida de levar as pessoas a considerarem a vida no âmbito material como indispensável, estrutural no ser humano, o que, ao meu ver, é uma distorção do verdadeiro conhecimento espiritual.