sexta-feira, 22 de abril de 2011

CONHECIMENTO - A NECESSÁRIA MUDANÇA DE PARADIGMA


Abstraindo-se o que poderíamos chamar de "Causa Primordial" (Deus), ou seja, sem perquirir a validade desta hipótese em uma atitude agnóstica calculada, ainda assim podemos aferir alguns elementos básicos para o desenvolvimento de um raciocínio útil acerca do conhecimento.
Observando-se a Natureza como um todo, percebemos que ela funciona como um todo concatenado, em que as partes diversas se ajustam, se encaixam e concorrem para um determinado fim global, assim como para fins determinados específicos - ecossistemas e indivíduos em interdependência útil. Vê-se tal coisa tanto em relação a galáxias e planetas como em oceanos e seres marinhos; entre o todo-global do organismo e as células que o compõem, no espectro de captação dos sentidos e a unidade intelectiva do cérebro, e assim por diante.
Se é admissível que na nuvem falte uma abelha, não se concebe a sobrevivência delas sem o todo-orgânico da colméia. Se o sistema pode ressentir a falta de seus componentes e em um certo limite, até colapsar à sua falta, é certo que os componentes sequer seriam concebíveis sem o sistema.
Há nos sistemas em comento um elemento comum, captável pelos nossos sentidos e concebível pela nossa intelecção, que nos permite compreendê-los até um certo ponto. Há uma lógica de mecanismo sobre a qual a Ciência pode deduzir leis imutáveis, constantes invariáveis. Se tal não existisse, a própria Ciência seria impraticável, seríamos obrigados a nos conformar com uma imprevisibilidade desconcertante.
Mas não é assim. As coisas são previsíveis de maneira tão exata que nos permitem, com o seu conhecimento, lograr objetivos tais como lançar com êxito naves a outras esferas do sistema solar, saber as horas e aproveitar as ondas para nos comunicarmos por celular ou assistir o programa de televisão favorito.
Sem que perquiramos sua gênese, não há como deixar de admitir que há um "conhecimento" subjacente às coisas, que lhes permite funcionar com precisão - e concomitantemente, um "conhecimento" interno à nossa intelecção, que nos faculta a possibilidade de percebê-lo. Se não existisse aquele, este também não existiria, ou pelo menos não teria substância alguma sobre que exercitar. Há uma interação mútua e íntima entre a nossa intelecção interna e o mundo exterior que nos possibilita compreendê-lo. Como é isso?
A concepção ocidental-cristã, principalmente a partir da revolução intelectual que, históricamente, chamamos de "Renascimento", considera o conhecimento como um instrumental que parte do ser cognoscente para a consecução de objetivos pré-determinados por este, que utilitariza a intelecção para fins específicos. O antropocentrismo arraigado em nossa cultura nos leva a conceber o mundo "para" o homem, pois este seria o "centro", o elemento para o qual refluem todas as coisas. Nada mais natural, pois, que o conhecimento de que é capaz seja aplicado em prol deste "centro" - o homem.
Contudo está visível que a aplicação do conhecimento objetivando o benefício exclusivo do homem tem sido danoso para o mundo enquanto sistema global.
Seria redundante descrevermos as agruras impostas aos ecossistemas em razão da atividade humana, tais como o aquecimento global, a extinção massiva de espécies, os riscos inerentes à radiação atômica, etc., portanto não vejo razão para estender este tópico.
Está em jogo uma distorção daquilo que podemos conceber como "conhecimento", na medida em que o temos por faculdade inerente ao homem - e tão só ao homem - e por isso mesmo o reinvindicamos como sendo "nosso". Por ser "nosso", com espírito de propriedade entendemos por bem utilizá-lo como bem queiramos, em nosso próprio benefício exclusivo.
Eis aqui um conceito extremamente perigoso, tanto para nós como para o mundo em si.

Um determinado primata há alguns milhões de anos atrás se viu obrigado a abandonar as copas das árvores, possivelmente em razão de mudanças climáticas severas - e para subsistir enquanto espécie necessitou exponenciar determinadas características que já possuía mas não utilizava em situações extremas: o andar ereto para possibilitar o uso otimizado de sua visão binocular e, assim, visualizar perigos no horizonte antes que chegassem muito perto (pois a corrida em fuga não era um de seus melhores atributos); o aproveitamento de seu polegar oposto aos outros dedos para "pinçar" objetos e modificá-los, instrumentalizando-os, criando assim ferramentas que potencializassem uma força de que não era capaz por si mesmo gerar. Viver em grupo também era absolutamente necessário, pois enquanto alguns se concentravam em atividades de subsistência - como colher frutos e caçar pequenos animais, outros vigiavam eventuais perigos no horizonte. Ora, a consecução continuada e combinada desses fatores resultou, ao cabo de inumeráveis gerações, em um crescimento da massa cerebral, o que permitiu o aumento da atividade intelectiva. O conhecimento tornou-se elemento visceral de sobrevivência. Foi preciso desvendar as leis da natureza - tais como aquelas que permitem a geração do fogo, os ciclos das estações, o menor atrito exercido pela utilização da roda, etc., para perpetuar a subsistência da espécie.
O conhecimento, que em si mesmo está inerente à natureza, uma vez captado para a subsistência, foi "usurpado" em função exclusiva desta, como se apenas para isso existisse. É compulsivo em um ser humano visualizar qualquer elemento existente na natureza - uma árvore, por exemplo - e indagar imediatamente: "para que serve isto para mim?" Ele nunca perguntará de primeiro para que serve a árvore para o mundo, mas para si mesmo. Ele sempre visualizará a possibilidade de transformar a árvore em madeira e utilizá-la para alguma instrumentalização, sómente após muita intelecção abstrata entenderá que a árvore é para o mundo e não para ele mesmo.
Em uma espécie de poucos indivíduos essa tendência em considerar-se proprietário do conhecimento e instrumentalizá-lo para o interesse próprio é benéfico à sobrevivência e se mostra inóqua para o todo-global; contudo, em uma espécie composta de bilhões de indivíduos a situação se inverte drásticamente. Há uma diferença substancial entre alguns milhares de indivíduos utilizarem algumas milhares de árvores para interesse próprio e bilhões de indivíduos destruirem bilhões de árvores com o mesmo espírito individualista.

A humanidade ultrapassou um determinado patamar evolutivo no qual não pode e não deve mais conceber o conhecimento como instrumental de utilização para seu exclusivo interesse, pois isso resulta necessáriamente em destruição do sistema global. Contudo, há nisto uma imensa dificuldade, que é a consistente em inverter um paradigma estabelecido há milhões de anos e que, afinal de contas, permitiu vencer a dificílima etapa de sobrevivência inicial da espécie. Todo o esquema social, cultural e mesmo atávico do ser humano está fundado nesse paradigma. Sua subversão nos sinaliza instintivamente a possibilidade de não-sobrevivência - o que pode não ser verdade de fato, mas se nos afigura como tal no íntimo, como senso programado irrefreável. É como se acreditássemos que a conduta até agora praticada nos trouxe a vitória e agir contráriamente lógicamente nos trará a derrota.
Ou seja, ainda não nos conscientizamos de que já não somos mais aquela espécie em constante perigo em face do mundo externo, compulsivamente prosseguimos a agir do mesmo modo com que fazia o primata recém-baixado das copas das árvores.

Vivenciamos um momento em que precisamos urgentemente nos conscientizar de que a aquisição do poder oriundo do conhecimento exige a contrapartida da responsabilidade. Assim como um pai é responsável pelo filho porque sabe mais, nós somos responsáveis pelos outros seres na medida em que sabemos mais que eles.
De algum modo o conhecimento inerente à natureza se introjetou em nossa consciência individual, e com isto compartilhamos, com essa mesma natureza, a responsabilidade pela manutenção do mundo. Podemos e devemos parar de utilizar o mundo em nosso exclusivo interesse e olhar para ele sob a ótica de um conhecimento global: ao invés de perguntar "para que isto serve para mim?", perguntar-se "para que isto serve para o todo?"
Dito de outro modo, temos agora potencial para salvar o mundo e não para apenas destruí-lo, está em nossas mãos as duas possibilidades. Assim como podemos continuar em desvairada atitude de destruição do meio-ambiente, podemos reverter isso e agir em benefício de todos os seres. Temos a incrível capacidade técnica para impedir a mesma catástrofe que destruiu os dinossauros há milhões de anos, pois podemos prever uma colisão de asteróide e desviá-lo ou destruí-lo antes que atinja o planeta; se não formos nós os destruidores do planeta, em um futuro longínquo seremos nós os únicos seres capazes de salvar a nós mesmos e as outras espécies quando o sol se tornar uma gigante vermelha e tornar impossível a vida na Terra.

Essa mudança de paradigma, qual seja, transmutar o conhecimento enquanto instrumento de utilização exclusiva em nosso benefício próprio, para instrumento que vise a preservação e melhoria do mundo como um todo, com abandono definitivo do antropomorfismo que nos tem caracterizado, é a mudança fundamental que definirá, a final, para que viemos enquanto espécie neste planeta.
Está em nossas próprias mãos definir nossa natureza: somos demônios destruidores ou deuses salvadores?

Um comentário:

Vlad do Orkut disse...

Confesso que sempre fui adepto ao antropomorfismo, sempre acreditei que Deus fez tudo o que existe e colocou por último a sua obra-prima, o Homem, criado a sua imagem e semelhança, e desde o início, Deus se preocupa com nosso bem-estar, gerando assim uma confiança de que Deus tudo fará para o nosso bem ... contudo narra-se que o Homem adquiriu o conhecimento do bem e do mal, e passou a agir como um deus, decidindo e escolhendo seu destino ... assim, faz todo sentido o seu texto, somos realmente deuses criadores ... pois assim escolhemos ser, quando adquirimos o conhecimento do bem e do mal ...
Entretanto uma coisa me deixa em alerta ... de que a Serpente disse que se comêssemos o fruto do conhecimento do bem e do mal, seríamos como deuses, no entanto sabemos que a Serpente é mentirosa ...