segunda-feira, 25 de abril de 2011
Ciência, Religião, conhecimento - alguns apontamentos.
Há duas vertentes de aquisição do conhecimento que, apesar de não estarem lógicamente contrapostas, ideológicamente tendem a se excluir no pensamento contemporâneo. São o conhecimento por descoberta e o conhecimento por revelação.
O conhecimento por descoberta, ou empírico-indutivo, é por excelência aquele obtido por meio do método dito científico. Através da observação do meio, o ser cognoscente colhe informações e formula conceitos, sobre os quais encadeia um sistema lógico-indutivo com o qual pode analisar e prever os fatos. Parte da ação do próprio agente que busca conhecer.
O conhecimento por revelação é típico daquele transmitido pelas Religiões. Com maior ou menor liberdade por parte do agente na utilização de mecanismos lógico-dedutivos, a revelação parte da ação externa em relação ao agente, que obtém a conceituação não pelo próprio esforço de cognição, pois os conceitos vêm de uma esfera préviamente estabelecida como superior (Deus, deuses, espíritos, etc.),
Interessa-nos observar que a Ciência não prescinde da revelação para existir, pois sem esta seu mecanismo se tornaria inviável. É preciso que esferas tidas préviamente como superiores (mestres e teses escritas, por exemplo), transmitam aos neófitos o conhecimento já sedimentado, para que estes dêem continuidade às pesquisas no ponto em que se encontra. Seria absurdo se cada cientista devesse, por si mesmo, fazer novamente as mesmas experiências de Mendel para dar continuidade ao conhecimento biológico; deste modo a Ciência não progrediria nunca.
Uma vez reconhecida a autoridade transmissora do conhecimento, não há como contestar a revelação. Se um mestre em Direito, devidamente respaldado por títulos conferidos nesta área, revela ao aluno determinados sistemas legais, não há como, nem porque o aprendiz contestar os pressupostos que lhe são transmitidos.
O conhecimento via revelação, é portanto legítimo e necessário. Essa revelação se torna objeto de controvérsias quando se contesta a origem. Se o mestre em Direito for denunciado como um fraudador, ficar comprovado que seus títulos são falsos, mesmo que tenha transmitido conhecimentos verdadeiros acerca dos sistemas legais, o aluno com toda a razão irá descartá-los.
Eis o ponto em que Ciência e Religião embatem: não que o pensamento científico conteste a validade de uma revelação qualquer, mas descarta o conhecimento advindo de uma revelação de esferas superiores as quais, pelos métodos que lhe são próprios, não consegue determinar. Isto não significa que a Ciência "bata o martelo" e diga ser falso o conhecimento por revelação existente nas religiões. Apenas que se abstém de utilizá-lo na sistemática que lhe é própria. Se o fizesse, com razão poderíamos chamá-la, no que aplicasse conceitos desse jaez, de "pseudo-ciência".
A autoridade da Ciência se estabeleceu sobretudo a partir de meados do segundo milênio, na época da Renascença e, em seguida, com maior ênfase, na Revolução Industrial, pois restou demonstrada a eficácia da aplicação de conhecimentos científicos na consecução de objetivos postos. Ao vulgo avulta sobremaneira assombroso que, a partir de cálculos exatos obtidos por experimentação, se façam mover máquinas eficientes, prever determinados acontecimentos, etc. A conjunção da eficácia dos conhecimentos científicos com o favorecimento econômico-social em uma cultura que buscava ávidamente se contrapor a uma ideologia dita espiritualista (a da Igreja) foi o que bastou para alçar a Ciência como ícone incontestável de uma nova Era. Não é despiciendo lembrar que uma cultura - a burguesa - que visava contraditar a vigente, que era espiritualista, só poderia bandear para uma ideologia oposta, ou seja, o materialismo. A Ciência, cooptada que foi pela burguesia para servir de ícone a essa nova ideologia, foi portanto expurgada e mesmo proibida de acatar em seu âmbito todo e qualquer conceito que lembrasse o espiritualismo.
Isso se vê até os dias de hoje: esforçam-se os cientistas em tangenciar qualquer explicação para os fatos que não se baseie em um encadeamento material. Se cientistas, por mais capacitados se mostrem no passado, resolvem adotar explicações espiritualistas para os fatos, logo são relegados ao ostracismo, se não eles mesmos, pelo menos suas idéias a respeito (Willian Crookes, por exemplo, mas não o único, há de se lembrar o próprio Newton, o qual, por não ser possível ignorar sua incontestável contribuição para a física dos corpos, nem por isso deixam de ignorar cabalmente seus estudos voltados para a Cabala e alquimia, como se o estudioso de uma e de outras coisas não fosse o mesmo homem; o mesmo fenômeno se dá com César Lombroso, em que lembram festivamente de sua contribuição para a antropologia criminal e esquecem-se de seus estudos voltados para o espiritismo).
Como pode ser isso?
Devemos em princípio fazer uma diferenciação básica: Ciência enquanto método investigativo, de obtenção de conhecimento mediante um método empírico-indutivo rigoroso e Ciência como sistema institucional posto para embasar a ideologia cultural dominante, que é materialista. Enquanto aquela admite hipóteses espiritualistas e não rejeita a busca de experimentações para as confirmar ou não, esta, a Ciência ideológica, as rejeita à priori, pois tais se contrapõem ao materialismo vigente. Como cientistas, pessoas humanas, dependem do sistema ideológico em que vivem para subsistirem, muito poucos se aventuram. Os que o fazem são prontamente taxados de "pseudo-cientistas", quando não de "malucos".
Darei um exemplo a respeito. Cientistas que fizeram recentemente pesquisas a respeito das áreas do cérebro que se ativam durante meditações por parte de religiosos, enfocam suas conclusões colocando o cérebro como causa das modificações observadas. Contudo, não há qualquer razão lógica para isso. Desconhece-se completamente o pleno mecanismo cerebral, e não há comprovação alguma de que o cérebro seja, em si mesmo, a causa dos fenômenos cognitivos. Nada há que comprove - ou rejeite - a possibilidade do cérebro ser apenas um mecanismo intermediário entre a sensação e a cognição, existindo um elemento além dele - ouso dizer, a alma - que, por não ter a mesma natureza dos elementos materiais, necessite de um decodificador para os compreender. Esta hipótese sequer é aventada ou levada à sério, menos ainda se elaboram experimentos para comprová-la.
Por outro lado, a ideologização da Ciência, tendo esta sido erigida como ícone incontestável, nos faz esquecer da precariedade de sua base. Pois fundamenta-se o método científico em dois pressupostos fundamentais: a) as leis naturais são imutáveis; b) é possível estabelecer a extensão de um dado resultado ao todo, desde que repetido por um grande número de vezes. Estes são pressupostos axiomáticos, que não se prestam à experimentação direta. Nada comprova cabalmente a imutabilidade da ditas leis naturais, na medida em que nenhum de nós alcança o outro lado do Universo ou tempos imemoriais para dizê-lo com certeza; nada comprova que da trilionésima quinquagésima nona experimentação para a trilionésima sexagésima experimentação o resultado não será diverso, pois sequer nossos tatataranetos conseguirão chegar lá. Ora, a certeza científica funda-se em um juízo de razoabilidade, mas não em uma certeza empírica própriamente.
Contudo, esses axiomas sobre que se funda a Ciência trazem consigo, implicitamente, o acato de um outro pressuposto, o da necessária existência de uma esfera superior. Se esta não existisse, como então poderíamos pressupor imutabilidade nas leis do Universo? Como poderíamos deduzir uma "ratio" no Universo, se esta não estivesse posta por algo que, pelo menos, a pudesse conceber?
Há o argumento de que se não existisse essa "ratio" no Universo, não estaríamos aqui para pensar a seu respeito, contudo devo lembrar que a mesma não existe para que pensemos sobre ela - pensar é estatisticamente uma anomalia, a grande massa dos seres que habitam o Universo não pensam -, mas ela existe por existir - ou diríamos ousadamente, existe para si-mesma. Por que uma "ratio" se estabeleceria onde é mais fácil existir o caos? Para que uma "ratio" se nada mais - exceto nós humanos em nossa estatística anômala - pode percebê-la?
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