terça-feira, 19 de abril de 2011

CIÊNCIA CONFIDENCIAL DA BHAKTI YOGA

CIÊNCIA CONFIDENCIAL DA BHAKTI YOGA, escrito por Sua Divina Graça Srila Bhakti Raksaka Sridhara Deva Gosvami Maharaja, é um livro completo para quem se interessa pelo conhecimento a respeito da Bhakti Yoga, o método devocional vaishnava. Tive oportunidade de ter contato com esse texto por indicação de meu Mestre Espiritual, Srila Atulananda Acharya. Contudo, deparei-me com a edição em espanhol e, não obstante minhas buscas, surpreendi-me que um livro tão importante não fosse encontrado no vernáculo pátrio.
Decidi então, dar início a uma tradução singela do texto para o português, não obstante meus parcos conhecimentos da língua espanhola. Com base em dicionários, por vezes recorrendo ao tradutor virtual do Google e muita intuição, dei início a essa teimosa empreitada - mais porque assim tenho a oportunidade de mergulhar profundamente no texto do que para obter um resultado impecável. Pensei: fazendo isto, obtenho duas coisas para mim: maior conhecimento da Bhakti Yoga e também melhor desenvoltura no espanhol.
Segue o primeiro resultado desta empreitada, que é a INTRODUÇÃO, e, à medida em que for avançando no texto, irei postando no blog. Espero que aqueles que o acessem possam tirar proveito de sua leitura para um maior conhecimento do assunto e, quem sabe, obter maior elevação espiritual com os profundos ensinamentos que nele se transmitem.


INTRODUÇÃO

Por ser uma partícula de consciência, a alma possui livre-arbítrio. Abstraindo-se este, resta somente a matéria bruta. Sem independência, a alma não poderia progredir da escravidão para a liberdade, e seria impossível sua salvação. No entanto, o senso de exploração é uma força externa, tóxica, um cálculo equivocado que obstrui a independência da alma.
Os objetivos da vida podem ser cientificamente divididos em três: "exploração", "renúncia" e "dedicação". A tendência mais comum é a daqueles que se buscam explorar as outras pessoas, espécies vivas ou elementos naturais, para o desfrute material dos sentidos. Eles desejam se elevar materialmente no meio ambiente e por essa razão são chamados de "elevacionistas". Uma classe de pessoas mais sóbria percebeu as severas e contraditórias reações dos objetivos mundanos e se esforçam por renunciar ao mundo, colocando-se em um equilíbrio comparável a um sono profundo, sem sonhos. Dormindo para o mundo, eles esperam escapar de suas reações e sofrimentos: sua meta é a liberação e os conhecemos como "salvacionistas" ou "liberacionistas". No entanto, conforme a interpretação correta das Escrituras reveladas por devotos eruditos, como Srila Sanatana Gosvami, Srila Jiva Gosvami e Sri Ramanuja, os devotos do Senhor sabem que as metas das exploração e da renúncia não só são ineficazes, como também prejudiciais ao verdadeiro progresso.
O plano normal, saudável e feliz se encontra na vida de dedicação. Sem explorar, nem pegar nada emprestado do meio ambiente, e também sem renunciar ao mundo de forma artificial, aquele que é sincero ao se dedicar naturalmente, contacta um plano mais sutil e elevado de vida. Disposto a dar de si e a servir, ele logrará uma associação mais elevada e encontrará um Mestre apropriado. O senso de desfrute nos obriga à associação com áreas inferiores para as controlar; o senso de renúncia, por sua vez, com sua visível superioridade sobre a exploração, seduz inclusive aos eruditos e, bem por isso, é mais perigoso, assim como a meia-verdade é mais perigosa que a mentira. Como é difícil despertar alguém que está em um sono profundo, aqueles que buscam a liberação podem permanecer na crisálida de liberação não-diferenciada durante tempo incalculável; contudo, a existência superior atrairá o serviço daquele que procura se dedicar puramente, sem nenhuma retribuição.
"Seva", o serviço, a dedicação, é o "summum bonum" dos ensinamentos da escola Vaishnava, que descrevem o plano de vida onde cada unidade é um membro dedicado em um todo orgânico. Nesse ambiente natural, todos se ajudam mutuamente no serviço em prol do Centro, o receptáculo excelso, a entidade mais elevada. Tudo existe para a Sua satisfação, porque Ele necessáriamente possui a qualificação de ser o Absoluto.Ele é a causa original de todas as causas e tudo existe por Ele, para O satisfazer.
Um conceito simples de "imortalidade" não pode nos dar o conhecimento de algo positivo, pois só nos informa o lado negativo. Se "imortalidade" significa "sem influência da mortalidade", então qual seria sua concepção positiva? Qual seria a natureza, o movimento e o progresso do ser que é imortal? Sem essa compreensão, "imortalidade" não é mais do que uma idéia abstrata. Pois, ao verificarmos os sintomas da morte, as pedras seriam mais "imortais" que os seres humanos e os seres vivos seriam "mortais", privados para sempre da imortalidade! Qual seria, portanto, a concepção positiva da imortalidade? De que forma são "imortais" os imortais? Qual a realidade positiva na imortalidade? Como pode alguém tornar-se imortal? É preciso visualizarmos a localização inerente do ser na ordem universal. De nada servirá se tão somente buscarmos solucionar o lado negativo da vida, que está cheia de sofrimentos como nascimento, morte, doença e velhice. Devemos saber que há um conceito de vida digna. Esse lado positivo tem sido quase totalmente ignorado na visão religiosa em geral.
A "imortalidade" ensinada pelas escolas de Buda e de Sankaracarya, não traz como resultado uma vida positiva. Suas metas são "maha-nirvana" e "brahma-sayujya" respectivamente. A teoria budista diz que nada permanece depois da liberação. Anelam a completa extinção da existência material (prakrti-nirvana). E a teoria monista de Sankara sobre a liberação é a perda da individualidade, "tornar-se uno" com o aspecto não-diferenciado do Absoluto. Ou seja, buscam a extinção em Brahman (brahma-nirvana). Postulam que quando a tríade formada por obeservador, observado e a ação de observar (drasta-drsya-darsana), ou o conhecedor, o conhecido e o conhecimento (jñata-jñeya-jñana), chega a um ponto, a mesma é destruída (triputi-vinasa) e nada permanece.
A ação e reação materiais cessam no Viraja, o rio da passividade, que se localiza nos confins mais elevados deste mundo ilusório (mayiko). Além de Viraja está o objetivo dos sankaritas: a etapa "abissal", o plano não-diferenciado de Brahman, denominado Brahmaloka, o qual se situa no extremo inferior do reino espiritual. Ambas são áreas vagas de "imortalidade" negativa. Brahmaloka é uma etapa marginal ou "amortigua-dora" entre o mundo material e o mundo espiritual. Composto de inumeráveis almas, é uma plano imortal, desprovido de variedades específicas (nirvisesa). É positivo somente no sentido de que é um plano de existância, um "pano de fundo" (kastha), mas em si mesmo carece do desenvolvimento positivo da existência variada (kala). A natureza desse "pano de fundo"é a unidade; e o desenvolvimento que nele se manifesta necessita da pluralidade, ou natureza diferenciada (kala-kasthadi rtpena parinama pradayini, Candi, Markandeya Purana).
No Bhagavad-Gita (15.16) é descrita a existência mutável (kasara) e a imutável (aksara), que representam o personal e o impersonal, o desenvolvimento e o princípio fundamental, ou as concepções diferenciada e não-diferenciada da existência em geral. O mutável representa-se por miríades de entidade vivas corporificadas, enquanto que o aspecto imutável é a grande expansão do Absoluto que tudo envolve, o Brahman (Bhagavad-Gita 8.3). Analisando-se a atividade mundana, a forma mais sutil das ações passadas que não frutificaram, anterior à tendência atual ao pecado (etapa de retorno), tem sido descrita (Bhakti-rasamrta-sindhuh, Purva 1.23) como inconcebivel, indistinta e de uma origem que não pode ser rastreada (kuta). De forma semelhante, Brahman, o aspecto imutável do Absoluto, é definido como unidimensional, indetectável, impreciso, sem cor, som ou sabor definidos; um estado de existência desconhecido, incognoscível, incompreensível (kuta). Contudo, Krishna, o Senhor Supremo, está acima das existências mutáveis e imutáveis, suas glórias são cantadas nos Vedas e no mundo, como Purusottama, a Suprema Personalidade (Bhagavad-Gita 15.18). Sri Sukadeva Gosvami afirma que o Senhor Krishna pode ir ao plano mais remoto e distante; Ele está em todos os lugares, é a fonte de todos os conceitos (vidura-kasthaya, Srimad-Bhagavatam 2.4.14). Ele não pode ser eliminado.
Deste modo, "a imortalidade" das escolas impersonalistas, tais como a budista, a sankarita, etc., não oferece uma vida positiva. No Vaishnavismo, no entanto, a imortalidade é existência positiva, dinâmica. Além do aspecto Brahman não-diferenciado do Absoluto, no primeiro vislumbre do céu espiritual, no plano conhecido como paravyoma, começa a existência diversificada transcendental (Caitanya-caritamrta, Madhya 19.153). O plano positivo do Reino de Deus se situa ali, no plano espiritual: Primeiro Vaikuntha, logo Ayoshya, Dvaraka, Mathura e, finalmente, sobre todos eles, Goloka. Transpondo as regiões vagas da "imortalidade negativa" ambicionadas pelos impersonalistas, os devotos, os vaishnavas, se dedicam a uma vida de eterno serviço devocional do Senhor Supremo do reino transcendental (Bhagavad-Gita 18,54). Embora a alma, erroneamente, possa assumir a condição decaída de existência em exploração e renúncia, por natureza inata é elegível para uma vida positiva no Reino de Deus. E, em plena floração, atinge a área de Goloka (svarupa Sabaá tem golokete sthiti Sri Sri krsnera astottara-sata-nama).
A imortalidade positiva só é possível para aqueles que se rendem (prapannanam). Os demais necessáriamente são mortais. Só aqueles que se entregam por completo ao Centro vivem na eternidade.A rendição se estabelece por completo, dada a sua excelência, e de forma permanente. Contudo, dentro dessa constância há diversidade sob o aspecto de movimento progressivo ou passatempos (vilasa). Sendo a Suprema Personalidade Absoluta infinitamente superior aos mutáveis "mortais"assim como ao imutável "imortal" (negativo) Brahman, só as almas "suarupa-siddha", aquelas que estão perfeitamente estabelecidas em divina relação com Ele, são eternamente liberadas da doença da mudança e mortalidade (svarupena-vyavasthitih, Srimad-Bhagavatam 2.10.6).
Em uma visão ampla, devemos saber que fomos criados de uma substância diminuta e que somente com a ajuda do alto poderemos melhorar nossa situação e alcançar uma posição no plano superior. É preciso assumir uma posição humilde, de serviço. Se nos rendermos, o aspecto volitivo universal do Absoluto nos elevará a uma perspectiva superior. Ele é o Autócrata, o Conhecimento Absoluto, o Bem Absoluto. Tudo a seu respeito é Absoluto. Na experiência que temos deste mundo, estamos em uma posição vulnerável. Por que então não nos rendemos a Ele?
O caminho que conduz à esfera da transcendência (adhoksaja) é o método dedutivo ou descendente (avaroha-pantha). Só com Seu consentimento poderemos alcançar o Bem Absoluto, a Vontade Absoluta. Só através da fé com rendição absoluta é permitido entrar nesses domínios. Jamais através da "exploração", ou "colonização", nem esforçando-se a se tornar ali em um "monarca". Nenhum método indutivo ou ascendente (aroha-pantha), como a renúncia, yoga, etc., podem forçá-Lo a nos aceitar. Só quem Ele elege pode ancançá-Lo (Svetasvatara Upanisad 6.23). Enquanto o ponto mais elevado dos que renunciam é a ausência de desejos ou a liberação do senso de posse, a alma que se rende (saranagata) está naturalmente livre de desejos (akincana, Caitanya-cari-tamrta, Madhya 22.99). O desapego não é mais que o lado negativo da rendição, mas além a abnegação, o devoto se rende à Substância Superior. Diga-se, é despertar em outro mundo, em outro plano de vida. Esse é o conceito positivo, o conceito Vaishnava da vida: determinar o nosso ser verdadeiro, além da jurisdição mundana de conceitos errôneos.
A natureza da substância progressiva é existência, conhecimento e beleza eternos (sac-cid-ananda). O todo-orgânico harmônico (advaya-jnana-tattva) envolve todas as semelhanças e diferenças que, inconcebivelmente, há nas mãos do Absoluto (acintya-bhedabheda-tattva). Mas no poder absoluto não existe anarquia. No entanto, a misericórdia é superior à justiça. Acima da sensatez, a posição suprema corresponde ao amor, à benevolência e à beleza: "Eu sou o Poder Absoluto, mas sou amigo de todos vocês. Sabendo disto, nunca há razão para temer" (Bhagavagad-Gita 5.29). Esta revelação nos liberta de toda apreensão: Não somos vítimas de um meio-ambiente caótico, porém sensato, pois o Dispensador Fundamental é nosso amigo.
Sri Jiva Gosvami declara que entre os seis sintomas da rendição, aceitar a proteção do Senhor (goptrtve varanam) é fundamental, posto que a rendição plena expressa o mesmo objetivo.Os cinco sintomas seguintes: "aceitar o favorável" , "rejeitar o desfavorável", "ter fé na proteção do Senhor", "rendição plena" e "humildade", são instrumentos concatenados que, de forma natural, contribuem para a meta (angangi-bhedena sad-vidha; tatra'goptrve varanam' evangi, sananagati-sabdenalkarthyat; anyani tv angani tat parikaratvat, Bhakti sandarbha 236).
A rendição é a base do mundo devocional. É a vida e a essência mesma. Sem rendição não se pode entrar nesses domínios. Ela deve estar presente em cada forma de serviço; buscar o serviço divino sem ela, seria simples imitação ou uma formalidade sem vida. A essência cabal da instrução védica é a ocupação no serviço ao Senhor. Em seu comentário sobre o Srimad-Bhagavatam, Sri Sridhara Svamipada declara que as práticas devocionais só serão aceitas como devoção se ofertadas ao Senhor Supremo desde o princípio. Quando se executa o serviço para depois oferecê-lo, isso não pode ser considerado devoção pura (iti nava laksanani yasyih sa, adhitena ed bhaghavati visnau bhaktih kriyate, sa carpitaiva sati yadl kriyeta, na tu krta sati pascad arpyieta). Se não há rendição, a atividade se verá adulterada pela exploração, renunciação, meditação artificial (karma, jñana, yoga) e assim sucessivamente.
Por natureza, a alma está a serviço do Senhor e o Senhor tem o direito de fazer e desfazer, de agir como queira, de acordo com sua doce vontade. Se empreendemos as práticas devocionais de escutar, cantar, recordar e adorar, aceitando esta verdade, então e somente então serão devocionais nossas ações. Só a atividade da alma rendida pode ser devoção. A adoração sincera nos ajudará a buscar a ajuda do Senhor, e só poderá chegar a Ele a prece que se faz com espírito de rendição (Saranagati 1.5). O caminho da devoção implica incrementar nossa condição negativa para convidar o Positivo a que desça e nos abrace: "Eu sou muito baixo e És grandioso. Podes purificar-me, levar-me e utilizar-me para o Teu mais elevado propósito: Ser feliz. De outra forma, estou desamparado, sou um rejeitado". Não é possível prendê-Lo na gaiola de nosso conhecimento. Somente o caminho da devoção pode nos ajudar. Ele é excelso, grande, infinito em todos os aspectos e nós somos muito pequenos. Sua misericórdia, compaixão, amor e graça, são os únicos meios através dos quais podemos nos aproximar. A boa-fé é livre nessa doce terra tão elevada, pela qual com fervor imploramos e esperamos, pedimos uma associação com a existência superior, como Seu escravo; essa será também nossa feliz expectativa para o futuro.
Krishna não está a nosso alcance e as Escrituras e santos sempre nos recomendam que nos aproximemos do Divino Mestre e dos vaishnavas genuínos. O critério para satisfazer o Senhor é satisfazer a nosso Gurudeva. Se Gurudeva não está satisfeito conosco, certamente o Senhor não estará. Nas Escrituras é mencionada uma analogia na qual se compara o Senhor com o Sol, o Guru com uma lagoa e o discípulo com uma flor de lótus. Se retiramos a lagoa, o sol queimará e secará a flor. Esta se alegra apenas quando a água da lagoa a rodeia e protege. Yasia prasadad ghagavat prasado, yasyapreasadan na gatih kuto ' pi; dhyayam stuvams tasya yasas tri-sandhyam, vande guroh sri-caranaravindan (Guru astaka 8): "Ofereço minhas reverências aos pés de lótos de Sri Gurudeva. Por Sua graça alcançamos a graça de Krishna: Sem esta graça, estamos perdidos. Por isso, ao raiar do dia, pelo meio-dia e ao entardecer, meditamos nele e cantamos as glórias de Sri Gurudeva, implorando sua misericórdia".
As relações do Guru vaishnava com o discípulo são produto da graça e esta é a vontade dele em estender sua riqueza para o discípulo. Sua instrução é o meio para afirmar sua vontade, que é prestar serviço para a satisfação do Senhor. E através do serviço atraimos sua graça. O desejo veemente de servir atrairá sua compaixão e boa vontade para nos encorajar em nossa relação com a Entidade Suprema. Primeiro é preciso rendição: devemos lhe oferecer respeito exclusivo (pranipat), do contrário, não poderemos nos aproximar dele. Depois, podemos fazer nossa indagação sincera e substancial (pariprasna). Com espírito de rendição, é possível ouvir a mensagem que nosso Divino Mestre nos transmite desde seu venerável assento, a vyasasana. Nesse ambiente propício, a inspiração e as disposições apropriadas podem descer até nós de maneira fortuita. E, finalmente, o serviço (sevaya) nos permite saborear a essência (Bhagavad-Gita 4.34).
Por instrução de seu Gurudeva Devarsi Narada, Vyasadeva pode obter um desenvolvimento progressivo (Srimad-Bhagavatam 1.5). Narada se estabeleceu na devoção livre de cálculo (jñana-sunya-bhakti ou jñana-vimukta-bhakti-paramah). Acima de Narada está Uddhava, que se encontra estabelecido no exclusivo amor divino por Krishna (premaika nisthah). Até chegar a Goloka, onde existe um conceito mais completo de Krishna, todas as outras fases se submetem a mudanças. Quando alguém está firmemente estabelecido em sua relação de serviço para o Senhor Original (Svayam Bhagavan), Krishna, então não há mais mudanças. Na narrativa do Brhad-Bhagavatamrta, Gopa-kumara passa por Vaikuntha, Ayodhya, Mathura, Dvaraka e finalmente chega a Vrindavana. Ali sua relação divina particular com o Senhor culmina firmemente na amizade (sakhya-rasa). Para ele, as etapas anteriores foram passageiras, muito embora outros poderiam encontrar uma relação permanente em alguma delas. Há etapas progressivas de "imortalidade positiva".
Nas margens do Rio Godavari, na conversa entre Sri Caitanya Mahaprabhu e Sri Ramananda Raya, a totalidade do desenvolvimento teológico foi expressa em planos sucessivos, mais e mais profundos. Existe uma hierarquia positiva de relações divinas com o Senhor, em etapas progressivas, para os diferentes tipos de devotos (karmibhyah... kah krti, Upadesamrta 10) e cada uma delas tem sua relação central característica (vaikunthaj... viveki na kah, Upadesamrta 9). No reino divino, o grau e a profundidade da rendição também podem ser medidos de acordo com a ciência das modalidades (rasa-tattva): Passividade, servidão, amizade, paternidade e relação conjugal (santa-, dasya-, sakhya-, vatsalya-, madhurya-rasa), que são as divisões naturais, cada uma delas sucedendo a uma essência mais sutil. E superior inclusive à relação conjugal com Deus, está a mais elevada de todas as espécies de serviços devocionais: o divino serviço à Suprema Metade Predominante (Sri Rhadha-dasya).
De acordo com a intensidade da rendição, até o ponto em que não há mais regresso, pode-se medir a qualidade e a magnitude da verdade realizada. A doçura interna da verdade e sua característica infinita atrai os corações do devotos no grau mais elevado, tanto que eles jamais experimentam satisfação alguma quando obtém o que realmente é o ápice de sua sorte mais elevada. Em Vaikhunta só existe a passividade e a servidão com um toque ligeiro de amizade; se incorremos na ofensa de prestar mais atenção na lei que no amor, seremos degradados de Goloka a Vaikuntha. Goloka é a terra do amor - e ali os habitantes não conhecem outra coisa. E por amor se entende o sacrifício de si mesmo, o auto-esquecimento pelo serviço a Krishna, sem dar importância alguma ao futuro, bom ou mal: assume-se o mais completo e extremo risco.
Em sua Bhakkti-sandarbha, Sri Jiva Gosvami define a "Bhagavan", a Suprema Personalidade de Deus, como superior ao "Senhor Narayana de Vaikuntha, o mais poderoso em todos os aspectos". Ademais, Sua existência, aparência e natureza atrai a todos para O servir, amar e morrer por Ele (bhajaniya-guna-visista). Tão belas são suas qualidades! Assim, pois, o conceito mais excelso a respeito de Deus é o conceito de Krishna. E os devotos em consciência de Krishna podem conhecê-Lo. Aqueles que servem e adoram o Senhor Supremo de acordo com as regras das Escrituras e do cálculo, pertencem à categoria de adoração em Vaikuntha. Em Vaikuntha, na primeira concepção transcendental consciente (adhoksja), a personalidade de Deus como o Senhor Narayana aceita o serviço reverencial em sua dignidade majestosa. Entretanto, os devotos do nível mais elevado estão rendidos ao Senhor Krishna com o amor e a fé mais profundos.
A concepção de Krishna de Goloka Vrindavana é corroborado no Srimad-Bhagavatam, a maior interpretação das Escrituras védicas. Sabe-se que Sri Caitanya Mahaprabhu é Krishna mesmo, unido à Sua potência mais excelsa, Sri Radha. Mahaprabhu Sri Caitanyadeva revelou claramente que a interpretação genuína e o propósito de todas as Escirutas reveladas é nos guiar fielmente até a meta mais elevada: o domínio do Amor e da rendição incondicional ao poder central da verdade, personificado no Senhor Krishna como beleza e afeto. A força mais elevada que a todos nos atrai não é o poder, mas o amor. Conscientemente ou inconscientemente, o amor e o afeto ocupam a posição absoluta, e o amor é superior a todo poder e conhecimento. É a verdadeira satisfação nas profundezas do coração. Nossa existência interna só quer amor, beleza, afeto, não conhecimento ou poder. O finito não pode capturar o infinito, mas o infinito pode se dar a conhecer ao finito. E quando o infinito aparece como um membro da terra finita, o finito alcança sua mais excelsa sorte. Krishna leva os calçados do pai e chora quando sua mãe o castiga. O Absoluto desce até o finito por amor.
A abordagem mais íntima do infinito com o finito se acha em Vrindavana. O Infinito vem para abraçar o finito em total plenitude (aprakrta), mesclando-se com o finito de forma tão íntima, que não se pode perceber o divino caráter transcendental do Senhor como a Divindade. Nós, as almas infinitesimais, podemos alcançar nossa maior sorte quando o Infinito vem a nós em sua mais excelsa aproximação - como se fosse um de nós! -, tão misericordioso, grande, íntimo e perfeito em sua proximidade.
Sri Caitanya Mahaprabhu, que é a doçura e a magnanimidade combinadas, anunciou abertamente que todos nós somos escravos naturais da Entidade mais elevada (Caitanya-caritamrta, Madhya 20.108), Mas esta é uma escravidão sob a grande força do amor e da beleza. A melhor sorte é ser utilizado de qualquer modo pela Existência Absoluta, o Conhecimento e a Beleza, estar em harmonia com o Centro Supremo. Nada é forçado nem excluido, pois esta é a natureza intrínseca da alma.

Nenhum comentário: